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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

SÃO ROQUE GONZÁLEZ, SÃO JOÃO DE CASTILHO E SANTO AFONSO RODRIGUEZ, Presbíteros Jesuítas e Mártires.


Os Santos Missionários e Mártires das Missões Roque González e seus Companheiros foram os primeiros evangelizadores nas terras do Sul do Brasil. Membros da Ordem dos Jesuítas, eles exerceram o seu trabalho missionário junto aos índios Guaranis, na atual Região Missioneira, no Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.



São Roque González

Nasceu em 1576, na cidade de "Nossa Senhora da Assunção", hoje a capital do Paraguai. Seus pais, Bartolomeu González de Valverde e Maria de Santa Cruz, eram de elevada classe social, e deram sólida formação cristã aos dez filhos, dois dos quais se tornaram sacerdotes.
Desde os mais tenros anos criou-se e conviveu com os índios guaranis, falando sua língua perfeitamente e conhecendo suas tradições. Indignava-se profundamente com o modo como eram tratados pelos colonizadores, reduzidos a escravidão em suas próprias terras. Brutalmente explorados, muitos morriam de fome.
Em 1588 os Jesuítas chegaram em Assunção e Roque passou a frequentar seu colégio, completando seus estudos, inclusive Teologia.
Em 1598 foi ordenado sacerdote, aos 22 anos, seguramente um dos primeiros nativos do Paraguai. Assumiu por dois anos a missão junto aos índios da região de Maracaju, que lhe ficaram profundamente afeiçoados. Foi nomeado cura da Catedral de Assunção, o que aceitou por obediência, embora ainda sonhasse em trabalhar para sempre entre seus amados índios. Em 1609 foi nomeado Vigário Geral da Diocese, mas nosso santo ingressou na Companhia de Jesus: foi admitido no noviciado em maio de 1609, e dois anos depois fez sua primeira profissão religiosa.


As Reduções

Pe. Roque e outro jesuíta, Pe. Vicente Griffi, foram enviados à dificílima missão de pacificar os índios Guaicurus. Eles conseguiram até mesmo fundar ali uma redução, enquanto muitos até temiam que eles não retornassem com vida.
Enviado depois à redução de Santo Inácio Guaçu, conseguiu superar muitas dificuldades e, graças ao seu tino eminentemente prático, fez com que ela se tornasse um verdadeiro modelo para todas as futuras reduções. Preciosa ajuda os jesuítas receberam do franciscano Pe. Frei Luís Bolaños, que lhes transmitiu sua grande experiência no assunto. As reduções (para os portugueses equivaleriam às Aldeias, ou aldeiamentos), foram criadas para levar os índios nômades a uma vida estável e habituá-los ao trabalho regular através da agricultura, do cultivo das artes e ofícios, e evangelizá-los pela catequese e pregação. Pela sua índole comunitária, muitos sociólogos do século XIX consideraram as reduções a realização utópica da sociedade justa, fraterna e solidária.
A atividade de supervisão era extenuante: Padre Roque era arquiteto, pedreiro, marceneiro, administrador, agrônomo...Participava de todo tipo de trabalho. Jovens jesuítas eram para lá enviados a fim de aprenderem nessa escola prática. Não obstante, isso não impedia que Padre Roque fosse fiel à oração e às demais atividades religiosas.
A partir de 1615 começou a fundar novas reduções e em 1619 fundou a primeira delas junto ao Rio Uruguai. Antes de prosseguir nesse relato, vamos conhecer nossos outros dois santos, Afonso e João, que um dia se unirão a Roque no martírio.


Santo Afonso Rodrigues

Nasceu aos 10 de março de 1598, em Zamora, Espanha. Seus pais eram Gonzalo Rodrigues e Maria Olmedo, muito religiosos. Depois de fazer os estudos primários em sua terra natal, entrou na Companhia de Jesus em Salamanca, e foi mandado para o noviciado em Villagarcia. Foi aí que se apresentou como candidato ao Pe. João Viana, que buscava voluntários para as missões na Ameríndia...
Pe. João era procurador da Província do Paraguai. Como outrora fizera Pe. Inácio de Azevedo , procurava voluntários para o difícil trabalho das missões. Falava aos jovens estudantes das dificuldades e privações por que passavam os missionários, e como deviam estar preparados até mesmo para o martírio. Afonso entusiasmou-se! Quis fazer parte dessa expedição missionária e embarcou com mais 37 companheiros no dia 2 de novembro de 1616; entre eles estava também João de Castilho.
A viagem foi cheia de perigos: uma tempestade quase os fez naufragar; colidiram com outro navio; duas semanas de calmaria (completamente parados em alto-mar, sem ventos a soprar as velas!). Descansaram 15 dias na Baía, Brasil, e reembarcaram, chegando em Buenos Aires em 15 de fevereiro de 1617.
Afonso continuou seus estudos em Córdova, Argentina, onde também era excelente professor de letras humanas. Concluídos os estudos com brilhantismo, foi ordenado sacerdote em fins de 1623 ou início de 1624.
Tinha uma devoção toda especial a Cristo crucificado.
Seu primeiro ministério sacerdotal foi junto aos ferozes índios Guaicurus, por oito meses. Foi mandado então para a redução de Itapuã, fundada anteriormente por Pe. Roque González, e agora muito próspera.


São João de Castilho

Nasceu em 14 de setembro de 1595, em Belmonte, Espanha, na nobre família de Castilho. Seu pai Afonso, era corregedor da cidade (o que equivaleria a prefeito). Sua mãe, Maria Rodrigues, zelava pela sólida formação cristã dos seus 10 filhos. Quatro deles abraçariam a vida religiosa: João, o primogênito, e três filhas, que entraram para a Ordem das Monjas Concepcionistas Franciscanas.
Ainda menino João entrou no colégio dos Jesuítas. Quando acabou os estudos de latinidade, foi enviado pelos pais à Universidade de Alcalá. Entrou no noviciado da Companhia de Jesus em 1614, aos 18 anos de idade. Deixou então a faculdade de direito e foi estudar Filosofia. Foi nesse tempo que por lá passou o Pe. João Viana... Como muitos outros jovens, João ofereceu-se com generosidade, e foi aceito.
Fez a mesma viagem que o jovem Afonso. Ao terminar os seus estudos de filosofia, foi mandado para o Colégio da Conceição do Chile. Gozava de boa saúde física. Nos estudos encontrou algumas dificuldades. Era de temperamento colérico, como Santo Inácio de Loyola, mas ao mesmo tempo dotado de uma gentileza cativante e figura esbelta.
Em 1625 foi ordenado sacerdote. Enquanto lecionava, aprendia a língua guarani, para poder um dia trabalhar entre os índios.
Começou o seu ministério na redução de São Nicolau, onde aprofundou o conhecimento da língua indígena. Ele era afável, bondoso e desprendido, estimado por todos. Venerava a Virgem Maria com grande confiança. Logo conquistou a simpatia de todo o povo da redução.

"Submetia-se, de boa mente, aos sacrifícios que as circunstâncias dele exigiam. Tornou-se carpinteiro, lavrador, enfermeiro. Limitava o descanso ao mais essencial da vida. Tinha que enfrentar certos caciques. A choça, em que morava, era extremamente precária. As paredes eram de taquara. O frio no inverno, por vezes, era tanto que não o deixava dormir. Por comida havia um pouco de milho cozido e farinha de mandioca, o cardápio dos índios. Tinha que enfrentar longas caminhadas, a pé. Vivia uma interminável quaresma, todos os dias do ano. Jejuava muito. Uma pequena refeição à noite era luxo que os missionários se permitiam somente na Páscoa." (Dom Estanislau KREUTZ, Santos Mártires das Missões, p 48)

Não foi por acaso que se tornaram mártires! E não nos esqueçamos que estes são apenas os sofrimentos exteriores. Quais foram as suas provações interiores? Como dizia Santa Teresa de Ávila, "Deus trata duramente os seus amigos", mas "não lhes faz agravo, pois tratou assim a seu próprio Filho".

Em solo gaúcho

Conhecendo já um pouco da vida de todos os nossos três missionários, voltemos agora à narrativa das novas fundações que Pe. Roque vinha realizando junto ao Rio Uruguai, desde 1619.
Por mais de seis anos tentou penetrar em nosso atual Rio Grande do Sul, ou seja, na margem esquerda do Rio Uruguai, e o conseguiu no dia 3 de maio de 1626, festa da invenção da Santa Cruz. Nesse dia celebrou a missa, provavelmente a primeira celebrada nesse Estado do Brasil, e fundou a redução de São Nicolau, que chegou a ter oito mil habitantes no século seguinte. Ali também trabalharia Pe. João de Castilho.
Pe. Roque chamava essas terras de Tupanciretan, que quer dizer "Terra da Mãe de Deus"! Como fazia em todas as novas fundações, levava consigo um quadro de Nossa Senhora da Conceição, a quem confiava e dedicava o êxito desses empreendimentos missionários. Ela era chamada de Conquistadora, pois o milagre de muitas conversões lhe é atribuído. A devoção à Nossa Senhora Conquistadora permanece muito enraizada em toda essa região do cone sul.
Continuando as fundações, foi nomeado superior regional das reduções do Rio Uruguai, que devia visitar periodicamente, supervisionando o trabalho dos jesuítas que lá estavam. Quando Pe. Roque visitou a redução de Itapuã, Pe. Afonso pediu para ser enviado a uma missão mais desafiadora. Seu pedido foi aceito, e Pe. Roque levou-o para as missões do Rio Uruguai.
Em 15 de agosto de 1628 fundou a redução de Assunção do Ijuí, e após dois meses e meio de organização e encaminhamento da mesma, colocou-a aos cuidados do Pe. João.

Em 1o.de novembro de 1628, juntamente com o Pe. Afonso, fundou a redução de Caaró. A que ‘santo’ ela foi dedicada?
A redução de Caaró foi dedicada a todos os Santos Mártires, especialmente aos três mártires jesuítas japoneses recém beatificados, Paulo Miki, João de Goto e Diogo Chisai. Como Deus é admirável! Essa região de Caaró hoje é dedicada a outros três mártires jesuítas: ROQUE, AFONSO e JOÃO! Todos os jesuítas e demais missionários daquela época tinham perfeita consciência do perigo em que viviam; a devoção aos santos mártires não é mero acaso, mas elemento natural de sua espiritualidade. Preparados para a morte, viviam privações e sofrimentos constantes. Que pessoas admiráveis! Como têm tanto a nos ensinar! O coração desses Amantes de Deus já intuía o presente que estavam por receber. O Espírito Santo os preparava suave e decisivamente para o grande dia.


O martírio em Caaró

Desde os primeiros dias dos missionários em Caaró, diversos caciques compareceram. Os índios, em troca do compromisso de se reduzirem, recebiam dos missionários cunhas e outros objetos vindos da Europa. As cunhas, machadinhas de ferro, significavam uma grande transformação, pois com elas talhavam suas canoas e preparavam a roça, modificando costumes milenares com a introdução de novas técnicas de subsistência.
Amanhecendo a quarta-feira do dia 15 de novembro, continuavam os índios a afluir, recebendo as cunhas. Após a celebração da missa, enquanto Pe. Roque, inclinado, procedia à preparação do sino que seria instalado em um alto mastro, aproximaram-se os assassinos...Dois deles desferiram violentos golpes com as suas machadinhas de pedra na cabeça de Pe. Roque, que morreu instantaneamente. O mesmo aconteceu com Pe. Afonso, que ouviu os gritos e saiu de sua cabana. Morte instantânea. A seguir, barbáries: vestes arrancadas, corpos esquartejados, destruição da capela e objetos religiosos.

Um velho cacique se opôs aos assassinos, e por isso teve a mesma morte. Sofreu assim o batismo de sangue! Esse mártir guarani pode um dia se juntar aos nossos santos mártires como novo santo da Igreja. Não sabemos seu nome, por isso é chamado de Cacique Adauto.


O martírio em Assunção do Ijuí

De Assunção do Ijuí partira a maquinação do crime: o poderoso e influente cacique Nheçu, que dominava os índios e julgava-se um deus, odiava os missionários e a nova religião. Não suportando as conversões, decretou o extermínio dos missionários.
Chegou a vez do pe. João de Castilho. Dois dias depois, sexta-feira 17 de novembro, investiram contra ele e o arrastaram até o mato. Bofetadas, vestes rasgadas, amarradas as mãos com cordas: arrastado pelo mato, seu corpo virou uma imensa chaga. As testemunhas oculares afirmavam que ele repetia sempre: "Tupanrehê", que quer dizer "Seja por amor de Deus". Agradecia-lhes também o que estavam fazendo e dizia que iria para o céu. Crivado de flechas, golpeado, os índios cansados acabaram por esmagar-lhe a cabeça. No dia seguinte seu corpo foi queimado e destruída sua cabana e objetos sagrados.
Levaram a Nheçu a alva e a casula do padre. Vestindo-se com elas, prometeu prosperidade e o retorno às tradições dos antepassados. Mandou trazer alguns batizados e lavou-lhes a cabeça para retirar a graça batismal.


A reação das reduções

Pe. Romero enviou mensageiros a todas as reduções, pois corriam grande perigo. Resgataram os restos mortais dos missionários e levaram-nos a Concepción, com o pranto de todo o povo. Os guerreiros comandados por Nheçu tentaram atacar outras reduções, mas foram rechaçados. Por fim, com reforços vindos de vários lugares, um verdadeiro exército de 1.200 índios cristãos venceu os mais de 500 índios inimigos.
No dia seguinte ao martírio de Caaró, um fato sobrenatural, atestado por trinta e três caroenses: uma voz saiu do coração de Pe. Roque, quando para lá voltaram os assassinos: anunciava a punição dos criminosos por terem maltratado a imagem da Mãe de Deus, mas do céu os ajudaria (O coração de São Roque é a única relíquia dos corpos dos três mártires que não se perdeu).

Aclamados como mártires

Logo após o fim dos combates foi feita a primeira peregrinação ao local do martírio em Caaró; em Assunção, o bispo determinou uma celebração solene de ação de graças pelo martírio, e o próprio irmão de Pe. Roque, o Cônego Pedro González, presidiu a missa com grande participação de todo o povo. Todos consideravam os missionários mártires da Igreja, e assim o processo foi iniciado já no ano seguinte, em 1629.
Após um grande movimento por ocasião do terceiro centenário das mortes, o processo foi retomado e culminou com a Beatificação em 1934. Desde então cresceu muito a devoção aos Santos. O coração de São Roque passou a realizar viagens missionárias pelo Paraguai, Argentina e Brasil. Em 1940 percorreu diversos lugares do Rio Grande do Sul, inclusive Caaró, o que se repetiu em 1973, 1978, 1992 e 1998, sempre com grande veneração dos fiéis.

Esperamos que os nomes desses nossos gloriosos mártires possa finalmente ser conhecido e venerado por todo o Brasil, e que dessa vez o coração de São Roque possa passar em peregrinação em todo o país. Que o seus exemplos de missionários, evangelizadores, catequistas extremados, possa suscitar um novo impulso para a ação pastoral de toda a Igreja no Brasil.


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Verdadeiros Santos do Brasil

É hora de esclarecermos uma questão...

Quantos santos canonizados o Brasil têm? Todos sabem que são só dois, Santa Paulina e Santo Antônio Galvão, certo?

Errado. A maioria dos brasileiros, e mesmo muitos padres, ignora a existência de outros três santos canonizados, do Brasil. Desde 1988 o Brasil tem três santos jesuítas, martirizados em solo do Rio Grande do Sul, há muito tempo venerados como santos Rio-Grandenses (gaúchos!): São Roque González de Santa Cruz, Santo Afonso Rodrigues e São João de Castilho.

Quando "descobrimos" isso ao fazer as pesquisas para esse site, sentimos alegria e indignação ao mesmo tempo. Alegria pelo fato em si, pela vida desses nossos irmãos tão queridos e colocados por Deus para ficarem muito próximos de todos nós brasileiros. Indignação simplesmente porque é um absurdo o que faz a propaganda, ou melhor, a falta dela! À Madre Paulina foi feita justiça, graças a Deus, pois hoje todo o Brasil sabe que temos uma santa, tão humilhada em vida e agora tão exaltada por Deus. Mas ela não foi a primeira santa do Brasil (somente a primeira santa mulher): esses nossos santos amigos, mártires do Rio Grande do Sul, foram deixados de lado... Não por Deus, certamente.

Conhecê-los foi uma grande alegria, e é impossível não se apaixonar por eles! Sua dedicação, sacrifício contínuo em meio a tantas dificuldades, fome, frio, falta de tudo para quem antes vivia no conforto, perigos por todo lado e finalmente o martírio! Já eram mártires antes, pela vida de caridade e abnegação que levavam. Dedicaram-se totalmente aos seus fiéis índios. Seu exemplo e caridade são contagiantes: Pe. João de Castilho, enquanto já era agredido brutalmente pelos seus algozes, dizia "Filhos meus, que é isso?" Filhos meus! Quando disseram que iam matar todos os outros missionários respondeu: "Então conduzi-me para lá e matai-me em sua companhia". Sabia muito bem o que estava acontecendo... Deus os preparou para esse dia.

Que eles são santos do Brasil ninguém pode duvidar, pois isso se baseia nos mesmos critérios que dizem que Santa Paulina é brasileira, ou então Pe. Anchieta, Pe. Eustáquio, etc., todos nascidos em outros países. Aqui trabalharam ou aqui morreram? Sim! Então são considerados santos brasileiros.

Santos ignorados

Alguns pensam que esses três santos são santos do Paraguai, porque o Papa canonizou-os em 1988, em Assunção, capital do Paraguai. Não são conhecidos no Brasil (ou ao menos além do Rio Grande do Sul), e não foi falado deles entre nós em 1988, quando foram canonizados. Por ocasião da canonização de Madre Paulina foi falado continuamente na mídia que ela era a primeira santa brasileira (não referindo-se a santo do sexo feminino, mas a um canonizado em si, genericamente)... Enfim, Madre Paulina seria a única canonizada. Mas não é bem assim. E nós custamos a acreditar...


Realmente do Brasil

Os santos trabalhavam na Região Missioneira, que na época tinha reduções ("aldeias") em regiões relativamente próximas desde o sul, sudeste do Paraguai, nordeste da Argentina, até o noroeste do Rio Grande do Sul. Em 1626, Pe. Roque, jesuíta e paraguaio de nascimento, começou as fundações na margem esquerda do Rio Uruguai, e aí deu-se o martírio, dois anos depois, em 1628, onde também morreram Pe. Afonso Rodrigues e Pe. João de Castilho, espanhóis.

Essa região, hoje solo gaúcho, estava sob domínio da coroa espanhola. Mesmo a coroa portuguesa e suas colônias, ou seja, todo o Brasil, desde 1580, por não ter outro descendente legítimo, foi herdada pelo Rei Filipe II, da Espanha, parente mais próximo do finado rei português. Assim permaneceria até 1640, ano em que os portugueses se rebelaram e proclamaram novo rei. Esse período foi o de maior crescimento do território brasileiro, já que podíamos crescer para o lado ocidental sem receio de invadir terras que pertenciam ao Rei espanhol, soberano de ambos os lados da linha de Tordesilhas.

Ora, pela tradição universal da Igreja, vale para o santo o lugar do martírio ou da morte. São Paulo Apóstolo estava preso em Roma quando foi martirizado, e lá ficaram suas relíquias, até hoje. Ninguém foi reclamá-las em Roma. Santo Antônio estava de passagem por Pádua quando morreu. Lá ficaram suas relíquias, e Pádua passou a fazer parte até do seu nome. Esses nossos três santos jesuítas não foram apenas martirizados em solo gaúcho, o que já seria um título de pertença ao Brasil, mas exerciam o seu apostolado aqui: são mais do Brasil, em certo sentido, que dos outros países da Região Missioneira, como Paraguai e Argentina. O povo gaúcho sempre os chamou de "Mártires Rio-Grandenses". Embora possamos considerá-los também como santos da região missioneira, incluindo nossos vizinhos, seria absurdo excluí-los do nosso país.





Venerados como nossos santos

Esses três mártires sempre foram mais venerados no sul do Brasil, no Rio Grande do Sul, do que nos países vizinhos, Argentina e Paraguai, e isso de forma decisiva. Segundo a fama de santidade, eram mais considerados como santos brasileiros do que como santos de outras regiões. Lembremos o que significa a fama de santidade para as questões que envolvem uma causa de canonização, e veremos que isso que acabamos de afirmar é da maior importância.

Correspondendo aos anseios do povo e seguindo o critério da fama de santidade, religiosos e bispos gaúchos levaram em frente a causa, ou seja: aqui viveram, aqui morreram, aqui eram venerados e aqui foi encaminhado o processo. Realizado o processo até a Beatificação, essa foi celebrada pelo Papa Pio XI, em Roma, em 1934. Desde então cresceu ainda mais a devoção a esses nossos santos, e a relíquia de São Roque percorreu inúmeras dioceses do sul, com grande veneração dos fiéis.

Historicamente os três mártires já foram chamados de "Mártires do Paraguai", pois para os primeiros historiadores jesuítas mais ligados ao contexto da região, sobretudo por serem de língua espanhola, essa denominação corresponderia mais ao que seria o "antigo" Paraguai, como um sinônimo da região Missioneira na época do martírio. Denominação que envolveria não só áreas do Paraguai atual, mas também o nordeste da Argentina e o Rio Grande do Sul. Já foram chamados também de "Mártires Platenses", o que corresponderia ao território de toda a região Missioneira, sul do Brasil inclusive, sem mencionar especificamente um dos países envolvidos. Mas sem dúvida, a denominação de "Mártires Rio-Grandenses" é a que mais corresponde à veneração popular aos Santos Mártires, enquanto fama de santidade em solo gaúcho. Esse era o sentir do povo da região, e o que determinou a abertura e prosseguimento do processo até a beatificação. Nesse sentido, mesmo que o processo tivesse sido iniciado em outro país, não alteraria em nada a questão; mas fica evidente que não foi à toa que o mesmo foi encaminhado pelo Brasil. Se não fosse a sua veneração popular pelo povo gaúcho (fama de santidade), talvez a causa de canonização desses nossos três mártires não teria ainda sido iniciada, não seriam nem beatos nem santos atualmente...

Somente mais recentemente, em 1978, quando se tratou de levar adiante o processo para a canonização dos três beatos, as Igrejas dos três países abraçaram em conjunto a causa (Brasil, Argentina e Paraguai). Em sinal de unidade, e por serem importantes para toda a região, concordaram em dar a eles o único título de "Mártires das Missões", livre de conotações políticas ou nacionalistas. Isso quer dizer: não seriam considerados exclusivamente do Brasil, o que poderia acontecer teoricamente. As Igrejas do Paraguai e da Argentina reconhecem a preeminência do Brasil na questão, psicologicamente evidenciada ainda mais pelo fato de o processo ter sido conduzido aqui. Mas a Igreja do Brasil, na pessoa de Dom Estanislau Kreutz, bispo de Santo Ângelo, sempre considerou nossos mártires como na realidade são, patrimônio comum a toda a Igreja presente na região Missioneira e um sinal de comunhão. A Igreja não está presa ou limitada a fronteiras, e não perde nada quando divide entre seus filhos as suas alegrias. Pelo contrário, a alegria é muito maior!

Lembremos outro argumento muito importante: o Brasil é um dos quatro países herdeiros da antiga região missioneira; o que diz respeito à região missioneira diz respeito ao Brasil também, e se eles são santos da região missioneira, são santos do Brasil também.

Outro detalhe, não decisivo para esse ponto de vista, mas significativo: o que faltava para a canonização, um milagre aprovado, foi apresentado também justamente pelo Brasil, isto é, pela diocese de Santo Ângelo. Foi a comprovação da cura milagrosa de Maria Catarina Stein, ocorrida em 1940, coincidentemente nessa mesma diocese onde os mártires derramaram seu sangue, e uma das maiores promotoras da causa.

Aprovado o milagre pela Santa Sé, quando se tratou da cerimônia de canonização, não havia condições de se fazer no Brasil, isto é, no local do martírio, sem infraestrutura para isso. Os paraguaios se adiantaram e conseguiram que fosse feito lá, sobretudo por causa da visita do Papa ao Paraguai. Havia também o argumento afetivo de que o Bem-aventurado Roque González era nascido em Assunção. Lembramos que o país de origem não é relevante para a questão; Santo Afonso e São João são nascidos na Espanha. A cerimônia teria sido feita no Brasil, sem dúvida alguma, se houvesse condições materiais para isso, da mesma forma como o Papa canonizou Edith Stein no campo de concentração no qual ela morreu. Com certeza, se isso houvesse acontecido, todos nós saberíamos que os Santos eram do Brasil. Pelo fato de não ter sido devidamente divulgado, o fato passou despercebido.


Considerar os legítimos primeiros habitantes da terra

Existe ainda outro argumento contra o parecer de que eles não são santos do Brasil: são os habitantes da região na época dos mártires. Eram os índios guaranis, que estavam sendo catequizados nas reduções pelos nossos santos. Falavam o tupi, como, aliás, quase todo o Brasil na época, e era a língua usada pelos missionários obviamente. Esses cristãos continuaram habitando a região, eles e seus descendentes, independente do jogo de dominação imposto à força sobre o lugar. Considerado território espanhol, depois português e enfim, Brasil independente, não importa, os habitantes eram os mesmos, na mesma terra, apesar das décadas de absurda violência que a região conheceu com o tempo. As duas guerras guaraníticas não conseguiram dizimar todos os índios que habitavam a região, nem expulsá-los, com era o desejo de portugueses e espanhóis. Com o tempo, outros habitantes (como os imigrantes europeus) vieram fazer parte dessa grande família, mas sua descendência permaneceu na terra. Seus descendentes estão ligados à região, e hoje são chamados de brasileiros. Os santos que viveram entre eles, transmitiram a fé cristã aos seus antepassados e são por eles venerados, não são seus santos? Hoje essa região faz parte do Brasil e seus habitantes são chamados brasileiros. Os títulos de pertença ou dominação política podem ter mudado, mas houve uma continuidade: o povo cristão é o mesmo. Roque González e seus companheiros eram santos desse povo e continuam sendo. Esse povo é brasileiro: eles são santos do Brasil. Alguém ousaria tirar os santos desse povo?

Se eles não são santos dessa região, de qual região são então? Dizer que essa região não fazia parte do Brasil na época, e por isso, o que lá aconteceu não pode ser atribuído ao Brasil atual, é o mesmo que dizer que os habitantes seculares dessa terra não podem ser chamados hoje de brasileiros. Isso é absurdo! Inconscientemente estamos dizendo que os índios e seus descendentes que habitam essa região do Rio Grande do Sul não são legítimos brasileiros. Estamos perpetuando a mesma mentalidade que provocou as guerras guaraníticas, considerando a posse (arbitrária) da terra como critério, sem levar em conta o povo que nela habita.


O título de Protomártires do Brasil

Se são do Brasil, e foram martirizados em 1628, são nossos protomártires, primeiros mártires. Porém, em março de 2000, quando os Mártires do Rio Grande do Norte (martirizados em 1645) foram beatificados, receberam esse título (Quem dá esse título é o Papa, conforme o que lhe é apresentado pela Congregação da Causa dos Santos. Essa por sua vez decide segundo o que é apresentado pelo Brasil, ou seja, por quem encaminhou os estudos a respeito).

Dar esse título a outros santos, é o mesmo que dizer que os Santos do Rio Grande do Sul não são do Brasil, o que não é verdade. Não se trata de disputar um título, pois isso para Deus não tem importância. Dom Estanislau enviou nessa ocasião um pedido de retificação à Congregação para as Causas dos Santos, mas até agora o pedido não foi atendido.

Alguns chegaram a dizer que a região do Rio Grande do Sul na época do martírio pertencia à coroa espanhola; mas o mesmo argumento serve para a região do martírio do Rio Grande do Norte: em 1645 essa região estava sob domínio holandês, e foram os calvinistas holandeses a martirizarem os nossos beatos.

Poderia se argumentar também que os do Sul não são nascidos no Brasil, e os do Norte são quase todos nascidos no país (27 de um total de 30 beatos; o número real de martirizados, porém, chega a 150!). Mas esse argumento está fora de lugar: não é a nacionalidade de origem que está em questão, mas o local onde morreram. Todos os três do Sul e os 30 do Nordeste estavam no Brasil. E também não estavam aqui simplesmente de passagem, o que já seria suficiente, mas todos também viviam nessas regiões. Além do mais, a causa do cacique Adauto relativiza ainda mais esse argumento, pois havia um "brasileiro" também entre os do sul.

Quanto aos nossos três santos serem protomártires ou não, não se trata da disputa pelo uso de um primado, mas em reconhecer aos mártires do sul que eles são realmente do Brasil. Os argumentos são todos a favor, porque excluí-los?


Segundo Dom Estanislau, bispo da Diocese de Santo Ângelo, a diocese do martírio dos nossos santos, o tempo se encarregará de fazer ver essa realidade.

Um comentário:

VANDER SILVEIRA disse...

RESSALVA:
"Eram os índios guaranis, que estavam sendo catequizados nas reduções pelos nossos santos. Falavam o tupi" ... o tronco linguístico seria Tupi-Guarani, porém os Guarani do RS fala GUARANI, extensão do mesmo idioma falado pelos povo andinos

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