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Encontre o (a) Santo (a), Beato (a), Venerável ou Servo (a) de Deus

segunda-feira, 28 de abril de 2014

São Rafael Arnáiz Barón, monge


 A heroicidade de um apagamento total


O grande êxito de sua vida foi aceitar o aparente fracasso de seu ideal, conformando-se inteiramente à vontade divina. Nada foi aos olhos humanos, mas foi santo aos olhos de Deus, que julga pelo coração, e não pelas aparências.

Rafael Arnáiz Baron era rico, de nobre família, inteligente, elegante, simpático e alegre. Tinha alma de artista e dotes de poeta, aprimorados por uma esmerada educação. Cursava em Madri a Escola Superior de Arquitetura, apreciava os magníficos concertos do Palácio da Música e freqüentava os bons restaurantes madrilenhos. Diante de si, abria-se a perspectiva de uma carreira brilhante.

Aos 22 anos, ele ouviu o convite de Jesus no interior de sua alma: “Renuncia a tudo isso, vem e segue-Me”. Bem ao contrário do “moço rico” do Evangelho, atendeu com prontidão e generosidade a esse chamado. Em sua curta vida, elevou-se a um alto grau de santidade e deixou aos católicos uma importante mensagem: “Deus não exige de nós mais do que simplicidade por fora e amor por dentro”.




Um menino privilegiado

Rafael Arnáiz Barón nasceu em Burgos, Espanha, a 09 de abril de 1911, numa aristocrática família. Seus pais, católicos fervorosos, educaram- -no com esmero na prática dos Mandamentos e no amor à virtude. Aos 10 anos, vendo-se impossibilitado de acompanhar seus colegas à Missa de domingo, por estar enfermo, suplicou a um sacerdote que lhe levasse o Santíssimo Sacramento. Impressionado com a piedade daquela criança, o padre acedeu e, a partir daí, Rafael nunca mais abandonou a comunhão dominical.

Diante do olhar profundo do jovem Rafael, seu futuro se descortinava em tons róseos e azulados. Sua inteligência penetrante, a vivacidade de sua conversa e seu trato ameno conquistavam-lhe todas as simpatias e aumentavam o atrativo natural que exercia sobre os que dele se aproximavam. Um marcado pendor artístico veio completar o encanto de sua pessoa.

Rafael, porém, parecia feito mais para a contemplação das coisas celestes que para as banalidades da vida terrena. Levava uma vida semelhante à dos outros moços de sua idade, mas seu olhar voava com facilidade até Deus. Dir-se-ia que sua nobre alma experimentava o exílio deste vale de lágrimas e ardia em desejos de horizontes sublimes. A resposta da Providência a tais anseios, plantados por Ela mesma naquele inocente jovem, não se faria esperar.


São Rafael Arnáiz Barón antes
de entrar na vida monástica 
Na juventude, o despontar da vocação

Aos 19 anos, estando na casa de seu tio em Ávila, foi solicitado a levar uma carta ao abade do mosteiro cisterciense de San Isidro de Dueñas. Essa visita seria para ele a clarinada reveladora de sua vocação.

"Aquilo que vi e passei na Trapa, escreveria ele mais tarde, as impressões que tive nesse santo mosteiro, não podem ser explicadas; pelo menos eu não sei explicá-las, somente Deus o sabe. [...] O que mais me impressionou foi o canto da Salve Regina, ao escurecer, antes de irem deitar-se. [...] Aquilo foi algo sublime.1 "

Com efeito, desde a época de São Bernardo, era costume nos mosteiros cistercienses cantar a Salve Regina em gregoriano logo após as Completas, em homenagem à Santíssima Virgem. Diante da unção daquele hino entoado por mais de 50 religiosos revestidos de brancos hábitos, Rafael sentiu-se convidado a imitá-los. Nesse dia, o projeto de dar-se à vocação monacal começou a germinar em sua mente.

Ele continuou a levar sua vida comum. Dados os seus dotes para o desenho, estudou dois anos na escola de arquitetura, em Madri. Entretanto, a graça operara em seu interior uma verdadeira transformação, como ele mesmo descreve: "Ali [na Trapa] a sós com Deus e a própria consciência, muda-se o modo de pensar, o modo de sentir e, o mais importante, o modo de agir nos atos do mundo.2 "


A decisão de abraçar a vida religiosa

Em 1933, estando de novo em Ávila, Rafael surpreendeu seu tio com uma notícia: estava resolvido a abandonar o mundo e ingressar na Ordem de Cister, sem mesmo avisar seus pais, residentes ao norte do país, na cidade de Oviedo. Assim descreve seu tio a impressão que lhe causou a decisão do sobrinho:

Rafael "era débil fisicamente, mas a fortaleza que faltava a seu corpo tinha em sua alma medida completa e transbordante. [...] Sua vontade era de aço; eu tinha a firme convicção de que aquela determinação era de Deus; não era um capricho, nem uma impressão, nem um engano; era o fruto divino de uma correspondência à graça, que o Espírito Santo dignava-Se sustentar com um de seus mais preciosos dons: o da fortaleza.3 "

Para demovê-lo de sua resolução de não ir antes a Oviedo, seu tio recorreu ao Núncio Apostólico, que se encontrava em Ávila. Ante o desejo da autoridade religiosa, Rafael dobrou-se, por amor à obediência, reconhecendo naquela ordem o primeiro passo rumo à cruz, que desejava abraçar.

Partiu para Oviedo e lá, após comemorar o Natal numa aparente alegria, comunicou a seus pais a decisão que tomara. Estes, como bons cristãos, acolheram- na com verdadeira emoção, agradecendo a dádiva que o Senhor lhes concedia.


Uma nova etapa na vida do jovem Rafael

Para o jovem Rafael começava uma nova etapa: deixava para trás as comodidades, o carinho familiar, os passatempos mundanos, as promessas de um brilhante porvir. Sobretudo, renunciava àquilo que a criatura humana possui de mais arraigado: a vontade própria. Doravante esta se acharia inteiramente conformada à vontade divina.

No dia 15 de janeiro de 1934, as portas de Cister abriam-se para o jovem postulante. Seu coração estava cheio de bons propósitos, que ele resumiu com estas palavras escritas poucos dias antes: "Quero ser santo, diante de Deus, e não dos homens; uma santidade que se desenvolva no coro, no trabalho, sobretudo, no silêncio; uma santidade conhecida somente de Deus e da qual nem mesmo eu me dê conta, pois, então, já não seria verdadeira santidade.4 "

Essa santidade seria alcançada em meio a indizíveis sofrimentos e provações, na aparente inutilidade, sem em nada manifestar-se exteriormente.

O primeiro período de vida religiosa foi para Rafael um verdadeiro paraíso. Se os jejuns e as mortificações por vezes arrancaram-lhe algumas lágrimas, sua alma sentia-se inundada de consolações. A humildade que demonstrava ao acusar-se de suas faltas no capítulo de culpas e sua atitude estática diante do tabernáculo impressionavam favoravelmente a comunidade, que logo se lhe afeiçoou.


A dura prova da enfermidade

Para Rafael, o rompimento com o mundo já ficara definitivamente para trás. Porém, não eram estes os desígnios divinos. Gozava de grande felicidade espiritual quando, em maio, sentiu os primeiros sintomas da doença que o levaria à morte. O abatimento de suas forças obrigou-o a ser transferido para a enfermaria. Pouco tempo depois, o médico diagnosticava uma diabetes sacarina que progredia de forma alarmante e exigia um tratamento apropriado, que só poderia ser-lhe ministrado fora do mosteiro...

Começava para ele a subida ao calvário, a aceitação submissa do cálice que lhe era oferecido. Via-se obrigado a voltar para o mundo, ao qual tão generosamente havia renunciado!

Seu confessor, Pe. Teófilo Sandoval, narra a cena de sua partida do mosteiro:

"Os suspiros e as lágrimas do angustiado Rafael faziam-me ver que em seu interior se desenrolava uma tremenda crise espiritual que lhe oprimia o coração. Quando deixei o mundo - dizia-me - despedi-me de todos até a eternidade, e pela imprensa, Astúrias inteira soube que a graça havia triunfado em mim, sobre a natureza... Agora volto para lá desfeito, inútil, com a mortalha dentro da mala... O que dirá o mundo, tão propenso a se escandalizar? Eu quero morrer aqui, quisera que esta noite fosse a última de minha vida! Diante dessas expressões, compreendi que Rafael havia penetrado na terrível noite escura do sentido, do coração.5 "

Rafael voltou para sua casa. Em poucas semanas verificou-se uma melhora em sua saúde e pôde retomar a vida normal. Exteriormente aparentava ser o mesmo Rafael de antes, com sua alegria contagiante e sua sensibilidade artística. Uma profunda mudança, porém, efetuara-se em sua alma, modelando-a por inteiro. Experimentava outra alegria, aquela que só às almas amantes da cruz é dado conhecer.

Assim escreveu ele a um de seus superiores, alguns dias depois de sua saída do mosteiro: "Quando fui para a Trapa, entreguei-Lhe [a Deus] tudo quanto tinha e tudo quanto possuía: minha alma e meu corpo... Minha entrega foi absoluta e total. Justo é, pois, que Deus agora faça de mim o que Lhe pareça e o que Lhe agrade, sem queixa alguma de minha parte, movimento algum de rebeldia. [...] Deus não somente aceitou meu sacrifício, quando deixei o mundo, mas pediu-me maior sacrifício ainda, o de voltar a ele... Até quando? Deus tem a palavra. Ele dá a saúde, Ele a tira.6 "

Essas palavras refletem bem o espírito de obediência com o qual acolhia a prova enviada pela Providência. Um ano e meio haveria de durar aquele exílio, durante o qual seu amor a Deus não fez senão crescer e sublimar-se. Ao ingressar na Ordem Cisterciense, despojara-se de tudo, mas conservava ainda o desejo de chegar a ser um bom trapista, de se tornar sacerdote; buscava-se a si mesmo, como mais tarde afirmaria. Deus, como Pai boníssimo, educava-o de forma a purificar sua alma daquelas asperezas tão legítimas, mas ainda humanas.

Por fim, Rafael implorou ser readmitido na Trapa na qualidade de oblato, uma vez que seu estado de saúde não lhe permitia adaptar-se ao regime da vida monacal.

Em janeiro de 1936, entrou por segunda vez. Lá o esperavam novas tribulações: isolado na enfermaria, sujeito a um regime alimentício que provocava críticas dos companheiros, sofrendo incompreensões de alguns de seus superiores, Rafael sentia-se inteiramente só. Dada sua debilidade física, proibiram-lhe até de participar do cântico do Ofício na igreja. A esses sofrimentos juntavam-se terríveis tentações que lhe sugeriam a ideia de ter errado de vocação. Ele tudo enfrentava com vigor de espírito e um inalterável sorriso nos lábios.

Ainda por duas vezes a enfermidade o tiraria de sua amada abadia, mas novamente a ela voltaria, convencido de ser aquele o lugar que lhe designara a vontade divina, apesar dos obstáculos que esta mesma parecia lhe opor.


Os últimos meses de vida

Os derradeiros meses da vida de Rafael foram os últimos passos até o cimo do calvário que se propusera galgar, como o refletem os escritos dessa época, embebidos de intensa espiritualidade e amor à perfeição.

Sua alma atingia aquela indiferença recomendada por Santo Inácio, pela qual o homem nada deseja para si e deixa-se levar pelo beneplácito divino. Uma única paixão dominava- lhe o coração: Deus!

"Tudo o que faço, é por Deus. As alegrias, Ele as manda; as lágrimas, Ele as dá; o alimento, tomo-o por Ele; e quando durmo, faço-o por Ele. Minha regra é Sua vontade, e Seu desejo é minha lei; vivo porque a Ele apraz, morrerei quando Ele quiser. Nada desejo fora de Deus. [...] Quisera que o universo inteiro - com todos os planetas, os astros todos, e os inúmeros sistemas siderais - fosse uma imensa superfície lisa onde eu pudesse escrever o nome de Deus. Quisera que minha voz fosse mais potente que mil trovões, e mais forte que o ímpeto do mar, e mais terrível que o fragor dos vulcões para só dizer ‘Deus'. Quisera que meu coração fosse tão grande quanto o Céu, puro como o dos Anjos, simples como a pomba para nele ter a Deus.7 "

Entretanto, a enfermidade progredia a passos rápidos. Rafael padecia fome - o irmão enfermeiro não lhe proporcionava os alimentos que a doença exigia - e, sobretudo, sede... Uma sede insaciável e devoradora que o acompanharia até os últimos instantes. Ele, porém, nada deixava transparecer no exterior, dando a todos a impressão de encontrar-se melhor.

No fim do mês de abril já não pôde mais ocultar seu alarmante estado. Aos delírios da febre sucediam-se instantes de lucidez, durante os quais manifestava-se sereno e resignado. Recebeu a unção dos enfermos no dia 25, mas Deus pediu-lhe o sacrifício de ver-se privado do viático. Às palavras alentadoras que lhe dirigiam os monges, procurando infundir-lhe a esperança da cura, Rafael respondia estar convencido de que logo partiria para o Céu.

Faleceu na manhã do dia 26 de abril de 1938, em consequência de um coma diabético. Sua fisionomia plácida e seu sorriso refletiam a glória de que sua alma já gozava na eterna bem-aventurança.



Uma alma enamorada de Cristo

Sob o ponto de vista humano, sua curta vida parece ter sido um monumental fracasso: não completou a carreira, não se projetou na sociedade, não realizou seus sonhos de sacerdócio, nem mesmo teve o consolo de observar a regra trapista e emitir os votos.

Não foi assim aos olhos de Deus, que não julga pelas aparências, mas sim segundo o coração. Rafael praticou uma forma de santidade peculiar: sua alma enamorada de Deus atingiu a heroicidade das virtudes em meio ao silêncio, à dor e ao apagamento mais completos.

Sirva-nos seu exemplo de humildade e de caridade ardente para, também nós, aceitarmos com alegria aquilo que a Divina Vontade quiser nos mandar.

"Dei-me conta de minha vocação. Não sou religioso... não sou leigo..., nada sou... Bendito seja Deus, não sou nada mais que uma alma enamorada de Cristo. [...] Vida de amor, eis minha Regra... meu voto... Eis a única razão de viver.8 "

1) RAFAEL. Obras Completas. Preparadas por Fray Maria Alberico Feliz Carbajal. 4. ed. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002, pp. 23-31.
2) Idem, ibidem, p.47.
3) Idem, ibidem, p. 92.
4) Idem, ibidem, p. 123.
5) Idem, ibidem, pp. 193-194.
6) Idem, ibidem, pp. 200-201.
7) Idem, ibidem, pp. 788 e 831-832.
8) Idem, ibidem, pp.795-796.

(Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP)



Apêndice

Voto de amar sempre a Jesus  (São Rafael Arnáiz Barón)
 “Na oração desta manhã fiz um voto. Fiz o voto de amar sempre a Jesus.

Me dei conta de minha vocação. Não sou religioso..., não sou leigo..., não sou nada... Bendito Deus, não sou nada mais que uma alma enamorada de Cristo. Ele não quer mais que meu amor, e me quer desprendido de tudo e de todos.

Virgem Maria, ajuda-me a cumprir meu voto!

Amar a Jesus, em tudo, por tudo e sempre... Só amor. Amor humilde, generoso, desprendido, mortificado, em silêncio… Que minha vida não seja mais que um ato de amor.

Bem vejo que a vontade de Deus é que não faça os votos religiosos, nem seguir a Regra de São Bento. Hei de querer, eu, o que não quer Deus?

Jesus me manda uma enfermidade incurável; é sua vontade que humilhe minha soberba ante as misérias de minha carne. Deus me envia a enfermidade. Não hei de amar tudo o que Jesus me envie?

Beijo com imenso carinho a mão bendita de Deus que dá a saúde quando quer e a tira quando Lhe apraz.

Dizia Jó, que depois recebemos com alegria os bens de Deus. Por que não havemos de receber assim também os males? Mas acaso tudo isso me impede de amar-Lhe?... Não, com loucura devo fazê-lo.

Vida de amor, eis aqui minha Regra..., meu voto... Eis aqui a única razão de viver.

Começa o ano de 1938. Que me prepara Deus nele? Não sei... Talvez não importe?... Fora ofender-Lhe tudo o mais dá no mesmo... Sou de Deus, que faça comigo o que quiser. Eu hoje Lhe ofereço um novo ano, no qual não quero que reine mais que uma vida de sacrifício, de abnegação, de desprendimento, e guiada somente pelo amor a Jesus, por um amor muito grande e muito puro.

Quisera meu Senhor, amar-Te como ninguém. Quisera passar esta vida tocando o chão somente com os pés, sem deter-me em olhar em mim tanta miséria, sem deter-me em nenhuma criatura, com o coração abrasado de amor divino e sustentado pela esperança.

Quisera, Senhor, olhar somente ao céu, onde Tu me esperas, onde está Maria, onde estão os santos e os anjos, bendizendo-Te pela eternidade e passando pelo mundo somente amando tua lei e observando teus divinos preceitos.

Ah, Senhor, quanto quisera amar-Te!.... Ajuda-me, minha Mãe!.
Hei de amar a solidão, pois Deus nela me põe.
Hei de obedecer às cegas, pois é o que Deus me ordena.
Hei de mortificar continuamente meus sentidos.
Hei de ter paciência na vida de comunidade.
Hei de exercitar-me na humildade.
Hei de fazer tudo por Deus e por Maria”.

domingo, 27 de abril de 2014

Beata Maria Antônia Bandrés y Elósegui, Virgem e Religiosa da Congregação das Filhas de Jesus


      Foi a primeira flor de santidade a desabrochar na Congregação das Filhas de Jesus fundada por Santa Cândida Maria de Jesus Cipitria em Salamanca, em 1871.
     Maria Antonia Bandrés y Elósegui nasceu em Tolosa (Guipúzcoa, Espanha), no dia 6 de maio de 1898, a segunda de 15 filhos do advogado Raimundo Bandrés e de Teresa Elósegui, em família era chamada Antoninha.

     Naquele lar a fé e a caridade eram vividas com empenho. Dona Teresa era uma mulher exemplar e santa que soube ajudar seus filhos a crescer em tudo, porém especialmente no amor a Deus, a Maria Santíssima e aos pobres e necessitados.

     A saúde de Antoninha era um pouco frágil; seus pais tiveram com ela cuidados especiais. A debilidade e o excessivo zelo dos seus parentes ajudaram a acentuar naquela menina um caráter sensível até a suscetibilidade, que nos primeiros anos chegou a preocupar Dona Teresa: “Que menina fastidiosa! Quanto vai sofrer com esse caráter”! E sofreu mesmo, porém sem que o sorriso se apagasse de seus lábios.

     Recebeu os primeiros estudos com as irmãs de seu confessor o Pe. Ilario Oscoz. Frequentou depois o Colégio das Filhas de Jesus, fundado em Salamanca em 6 de janeiro de 1874 pela Madre Cândida Maria de Jesus.

     Maria Antonia foi um admirável exemplo de virtude especialmente para seus numerosos irmãos mais novos. A família usufruía de todo conforto, mas ela sentia como suas as preocupações e as necessidades dos pobres. Assim sendo, desde muito jovem dedicou-se a um trabalho voluntário nos subúrbios de Tolosa, e ao trabalho social e de evangelização junto aos operários, bastante raro naqueles dias.


Santa Cândida Maria e beata Maria Antônia, a funda-
dora e sua filha espiritual. Foram
 beatificadas  no mesmo dia. 
     Em 1913, durante um retiro em Loyola, ela se lembrou do que alguns anos antes Madre Cândida lhe havia dito: “Tu serás Filha de Jesus” e, em seguida, tomou a decisão de ser integral e inteiramente de Nosso Senhor.

     Ingressou na Congregação das Filhas de Jesus no dia 8 de dezembro de 1915 aos 17 anos e em 31 de maio de 1918 fez os votos religiosos em Salamanca. Antoninha sentia um profundo amor por seus pais e irmãos, e ao ingressar no noviciado separar-se deles lhe custou muito, por isto ouviram-na dizer: “Só por Deus eu os deixei”.

     Pouco tempo depois a sua saúde, que já não era boa, começou a enfraquecer ainda mais. As várias biografias não dizem qual era a doença, mas logo se soube que era inexorável.

     A evolução do mal foi acompanhada pelo Dr. Filiberto Villalobos, que confessou ficar “comovido por aquela serenidade de espírito e por aquela fé que a faziam tão feliz em suas últimas horas de vida”.

     Segundo seu depoimento, o médico confidenciou suas impressões a dois amigos intelectuais agnósticos, exclamando: “Quão errada é nossa vida! Isto sim que é morrer”, provocando na mente daqueles homens um impacto emocional vendo Maria Antonia morrer, na idade de apenas 21 anos, com a certeza de quem “sabe para onde vai".

     Poucos meses antes, movida por um impulso do Espírito Santo, Irmã Maria Antonia havia oferecido sua vida pela salvação de seu tio, padrinho de batismo, que começou a trilhar um mau caminho. Ele havia manifestado desacordo quando ela entrou no noviciado, por ter uma postura agnóstica. Entretanto, esse tio, entendendo a espiritualidade da sobrinha, num momento de graça voltou ao bom caminho.

     Irmã Maria Antonia faleceu no dia 27 de abril de 1919, em Salamanca, dia da festa de Nossa Senhora de Montserrat, um ano depois de sua profissão.  Ela morreu invocando Maria, Mãe de Misericórdia. Nos últimos instantes, foram-lhe concedidas graças de paz e de consolação. Ela exclamou: “Isto é morrer? Que doce é morrer na vida religiosa! Sinto que a Virgem está a meu lado, que Jesus me ama e eu O amo”...

     Ela foi beatificada em 12 de maio de 1996 juntamente com a Fundadora, Madre Cândida Maria de Jesus. Sua celebração litúrgica é 27 de abril.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

SANTA TERESA DE LOS ANDES, Carmelita Descalça (Padroeira da Juventude da América Latina)


Quais eram os anseios mais profundos de Juanita Fernandez del Solar, essa moça carinhosa e bela, que nos deleita com seu trato afetuoso e alegre? Sua alma, excessivamente pura para ficar no mundo, ansiava se converter em esposa mística de Cristo.



Observe, leitor, a fotografia ao lado de Juanita Fernández del Solar. É uma jovem de 18 anos, nas vésperas de entrar para um austero convento carmelita no qual tomou o nome de Irmã Teresa de Jesus. Viveu santamente nesse convento durante nove meses apenas. Morreu aos 19 anos, como vítima expiatória pelos sacerdotes, por sua família, pela sociedade em que brilhara. E hoje é conhecida e venerada em todo o mundo como Santa Teresa de los Andes.
Numa primeira vista, sua fisionomia agrada. Ela é bela e acolhedora. Em seu rosto, ainda muito jovem, destacam-se luminosamente seus lindos olhos azuis. Embora aristocráticos e altivos, cientes de seu próprio valor, eles não rejeitam quem está diante de si. Pelo contrário, parecem nos acolher, nos introduzir na presença desta jovem, não de uma forma protocolar como quem diz: "Prazer em conhecê-lo", mas envolvendo-nos com um afeto suave e discreto de tal forma que, após alguns segundos contemplando-a, nos sentimos como se ela já fizesse parte de nossa vida.
A fotografia denota uma pureza alcandorada, uma inocência reluzente. Juanita até dá a impressão de que a Providência a tenha limpado do pecado original já nos primeiros instantes de sua vida. Como todas as impressões, estas têm algo de pessoal, mas por certo o efeito que esta fotografia produz em nós tem muito a ver com a jovem por ela representada.


Alma contemplativa

Juanita com aproximadamente 02 anos. 
Primeira santa carmelita latino-americana, Santa Teresa de los Andes nasceu em Santiago do Chile, em 13 de julho de 1900, numa família católica e aristocrática. “Jesus não quis que eu nascesse como Ele, pobre. E nasci no meio das riquezas, mimada por todos” - escreve em seu diário.
Seus biógrafos coincidem em ressaltar que ela era sempre o centro das atenções onde estivesse, pela sua amabilidade, graça e simpatia. Era alegre e comunicativa, mas também séria e de um temperamento enérgico.
Suas brincadeiras eram animadas e entusiasmadas. À sua casa acorriam muitos parentes e amigos. Uma tarde anunciou a todos os seus irmãozinhos e primos que presenciariam algo nunca visto por olhos humanos. Eles teriam o privilégio de assistir à Assunção da Santíssima Virgem. Os meninos se puseram diante de uma mesa sobre a qual estava uma imagem de porcelana da Virgem Maria, com uma coroa de metal. Juanita escondeu-se atrás de um biombo e "magicamente" a imagem começou a subir, ante a admiração dos pequenos, até desaparecer por trás de um cortinado. O "milagre" tinha sido operado por Juanita por meio de um delgado fio amarrado na coroa da imagem.
Quando se tratava de brincar, era a primeira de todas, a mais animada, a mais alegre, a mais ativa. Na fazenda Chacabuco, de seus pais, andava a cavalo montada de lado como uma grande dama. Era difícil ultrapassá-la nos passeios a galope com seus irmãos e primos. Nas férias, no balneário de Algarrobo, perto de Valparaíso - num ambiente de pudor e compostura hoje difícil de imaginar - era ela uma ousada nadadora. Jogava tênis. Fazia caminhada com as amigas.
Juanita em sua Primeira Comunhão
Mas sobretudo contemplava. Em carta a uma amiga, escrevia: “Não podes imaginar paisagens mais bonitas que as que víamos... colinas cobertas de árvores e no fundo uma abertura onde se via o mar, sobre o qual se refletiam nuvens de diversas cores. E, por trás, o sol ocultando-se. Não podes imaginar coisa mais bela, que faz pensar em Deus, que criou a terra tão formosa. Que será o Céu? - pergunto-me muitas vezes”.
E à Madre Priora do Carmelo que a iria acolher, contava: “O mar, em sua imensidade, me faz pensar em Deus, na sua infinita grandeza. Sinto então uma sede do infinito”.  Estando já no Carmelo, e sabendo que sua mãe passaria férias de novo na mesma praia, lhe escrevia: “Cada vez que a senhora olhar o mar, ame a Deus por mim, mãezinha querida”.


Teresa de los Andes (a primeira, à esquerda, sentada)
 com um grupo de jovens (amigos e parentes seus) 


Festejada por todos

Suas companheiras de aula a descrevem como sendo uma moça alegre e amável, suave no trato, de maneiras muito finas, firme e constante na ação. Entretida e divertida por seu caráter alegre e sem complicações. Muito bonita, com belos olhos azuis, nariz bem cortado, tez branca, bastante alta. Todas a festejavam. Tinha uma bela voz de contralto e sempre lhe pediam que cantasse.
Durante as férias na fazenda, muito cedo se dirigia à capela para saudar o Senhor Sacramentado e tocar o harmônio como forma de oração. Durante as tardes, após o rosário em família, pediam-lhe para tocar também o harmônio, o que ela fazia com encanto de todos, mas sobretudo de Deus. Escrevia muito bem, e no colégio obtinha as melhores notas em literatura, história, religião e filosofia. Suas colegas sempre procuravam sua companhia e a chamavam carinhosamente de Mater admirabilis.



O afeto e o carinho familiar que uma sociedade perdeu

Teresa de los Andes com sua irmã,
Rebeca, que um dia também será
carmelita descalça. 
Na vida hostil, impura e materialista de nossos dias, é difícil entender o que era o afeto existente nas famílias católicas, há poucas décadas. Vejamos, a título de amostra, alguns trechos de uma carta que Juanita escreveu a seu pai, o qual ficara no campo trabalhando, enquanto a família passava férias de verão no balneário de Algarrobo. Depois de narrar-lhe belos passeios e exercícios de natação, Juanita manifesta a seu pai seu filial carinho: "Como o senhor vê, paizinho, não falta mais que o senhor para sermos felizes. Enquanto nós nos divertimos aqui, o senhor está trabalhando, de sol a sol, para nos proporcionar comodidade. Não temos, paizinho, meio de lhe pagar, pois é grande demais seu sacrifício. Mas nós, seus filhos, compreendemo-lo e o enchemos de carinho e cuidados, pois achamos que esta é a melhor maneira de agradecer a um pai. Por que não vem aqui pelo menos por uns dias? Não sabe a tristeza que me dá quando vejo as outras meninas felizes com seus papais. Por favor, venha, pois nós o temos tão pouco durante o ano!"
Em outra carta, assim se despede do pai: "Receba, paizinho, abraços e beijos de mamãe e de meus irmãos, mais mil beijos e carinhos desta sua filha que mais lhe quer e que se lembra a cada momento de seu paizinho querido.”.
O Pai, por sua vez, mostra a reciprocidade do afeto, numa carta escrita depois de a ter autorizado a entrar no Carmelo:

“Minha filhinha querida, recebi as duas cartas pelo que muito te agradeço, embora me façam tanto sofrer, ao pensar que quem me escreve e que me toca desta forma a alma vai se separar de mim para sempre. Mas o sacrifício está feito e eu o ofereci a Deus para que me perdoe por aquilo em que eu O tenha ofendido na minha vida. E como o sacrifício é tão grande, Ele o vê e o terá em conta. Minha querida filhinha, não sabes o bem tão grande que tuas cartas me fazem, não só agora, mas antes mesmo de tua resolução, porque via nelas tanto carinho e ternura. Elas me deram nova vida e desejo de trabalhar por teus irmãos (...) Feliz, tu, mil vezes, minha filhinha, que te consideras feliz e sentes essa paz de alma que tão poucos podem sentir e que há tanto tempo foge de mim. Só desfruto algo dela depois das férias que passamos juntos na intimidade (...) Não creias em nenhum momento, minha querida filhinha, que me tenha arrependido de haver-te dado meu consentimento. Muito pelo contrário. Pois creio que as preces de uma alma tão pura como a tua serão ouvidas por Deus, e elas me acompanharão o resto de minha vida e serão meu melhor refúgio para me preservar dos muitos perigos. E não te esqueças jamais que meu pensamento te acompanhará noite e dia (...) Que Deus me mande todas as provas e sofrimentos e os afaste de ti. Não te canses, minha filhinha, de continuar pedindo por teu pobre papai... Para ti, um milhão (de beijos e abraços) de teu pai que não te esquece um instante”.

Única foto de Teresa como noviça, vestida
com o hábito das noviças. Alguém deve
ter conseguido essa foto em um momento
de distração da superiora e da santa. 
As graças místicas iluminaram toda a sua vida

Aos dez anos a pequena Juanita fez sua Primeira Comunhão. Desde então, como ela revelou a seu confessor, o padre Antônio Falgueras, SJ, “Nosso Senhor me falava depois de comungar; dizia-me coisas das quais eu não suspeitava. E quando eu Lhe perguntava, me revelava coisas que iam suceder e que de fato aconteciam. Mas eu achava que ocorria o mesmo com todas as pessoas que comungavam”.

Em carta a seu pai, pedindo permissão para ser carmelita, narra: “Desde pequena amei muito a Santíssima Virgem, a quem confiava todos os meus assuntos. Só com Ela me desafogava. Ela correspondeu a esse carinho; protegia-me, e escutava sempre o que eu lhe pedia. E Ela me ensinou a amar Nosso Senhor (...) Um dia (...) ouvi a voz do Sagrado Coração que me pedia que eu fosse toda d'Ele. Não creio que isso tenha sido uma ilusão, porque nesse mesmo instante me vi transformada: aquela que procurava o amor das criaturas, não desejou senão o de Deus”.

Já no Carmelo de Los Andes, escreve ao Padre Colom, SJ: “Também Nosso Senhor se apresenta a mim, às vezes, interiormente e me fala. Durante aproximadamente uma semana, vi-O na agonia, mas de uma maneira tal como jamais teria sonhado. Sofri muito, porque essa imagem me aparecia constantemente e me pedia que O consolasse. Depois foi o Sagrado Coração, no tabernáculo, com o rosto muito triste. E, por último, no dia do Sagrado Coração, apresentou-Se a mim com uma ternura e beleza tal que minha alma se abrasava em seu amor”.


Foto de Teresa, vestida como monja, antes de entrar
para o Carmelo. No seu tempo, era proibido tirar foto
das monjas carmelitas descalças. A candidata se vestia
de monja e a família tirava uma foto da moça para ter
a foto como recordação sua. 
Escrava de Maria, grandes provações

A jovem Juanita ingressou no convento de Los Andes no dia 7 de maio de 1919, tomando o nome de Irmã Teresa de Jesus. Recebeu o hábito de noviça em 14 de outubro do mesmo ano. No dia 8 de dezembro, consagrou-se como escrava de Maria, segundo o método ensinado por São Luís Grignion de Montfort. Doravante, seus atos e sacrifícios seriam todos para Nossa Senhora. “Combinei com a Santíssima Virgem que Ela passasse a ser meu sacerdote, que me oferecesse a cada momento pelos pecadores e pelos sacerdotes, mas banhada com o sangue do Coração de Jesus”...  - escreveu.

No curto tempo passado por Juanita no convento, sua superiora, com um extraordinário senso das almas, determinou que continuasse seu apostolado por meio de cartas à sua família e às suas amigas. Os resultados não se fizeram esperar. Sua mãe se fez terciária carmelita. Sua irmã menor, Rebeca, ingressou no mesmo convento, meses após a morte da Irmã Teresa. Várias de suas amigas, moças da melhor sociedade, tinham por ela tal estima e admiração que decidiram também consagrar suas vidas a Jesus, no Carmelo ou em outros institutos religiosos. Atravessando crises e ambientes adversos, perduram até hoje os efeitos de seu bom exemplo, atraindo muitas jovens para a vida contemplativa e para as atividades de apostolado leigo na sociedade.
No dia 1º de abril de 1920, a Irmã Teresa adoeceu gravemente. Ante a iminência de sua morte, e dada a santidade de sua vida, a superiora permitiu que fizesse os votos de carmelita professa e Esposa de Cristo, in articulo mortis, no dia 07 desse mês.
Mas estavam por vir as grandes provações espirituais que uma vítima expiatória costuma receber. Quis Deus que ela, como outros santos, sofresse a terrível sensação de ter sido não só abandonada mas condenada por Ele. Assim, ardendo em febre, fazia esforços para retirar seu escapulário e afastar os objetos de piedade que a rodeavam. Num tom de voz acabrunhador, exclamou: “Nunca pensei que a Santíssima Virgem fosse me abandonar”! Depois de certo tempo de luta terrível, foi-se acalmando aos poucos, até que num momento disse sorrindo, como se tivesse uma visão: “Meu esposo”! ... Morreu suavemente três dias depois, em 12 de abril de 1920.

O santo corpo de Teresa de los Andes
sendo velado. Observem a serenidade do rosto 
De forma inesperada, o povo da cidade de Los Andes acorreu em grande número ao velório dessa até então desconhecida freira, que vivera apenas onze meses no Carmelo. Todos pediam para tocar seus objetos de piedade no corpo da "santa", todos recebiam graças de paz, de benquerença, de afervoramento e de piedade.

Em 3 de abril de 1987, S.S. João Paulo II beatificou a Irmã Teresa. Sua fama de santidade cresceu de forma impressionante no Chile e em todo o mundo, sem que ninguém se preocupasse em difundi-la. Por fim, o mesmo Papa a canonizou, no dia 21 de março de 1993. Um imponente santuário foi construído em sua honra, tendo como fundo de quadro uma grandiosa vista da Cordilheira dos Andes.

(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2003, n. 14 e Março/2003, n. 15)


Foto do painel de sua canonização


Santuário de Santa Teresa de Los Andes, no
Carmelo onde passou seus últimos meses de vida. 


Túmulo de Teresa de Los Andes


Rebeca, irmã de Teresa de Los Andes, que
que também se tornou carmelita descalça.

domingo, 20 de abril de 2014

Beata Clara Bosatta, Virgem da Congregação das Filhas de Santa Maria da Providência


No dia 27 de maio de 1858, em Pianello Lario (Como, Itália), nasceu a última dos 11 filhos de Alexandre e Rosa Mazzuchi. Deram-lhe o nome de Dina.
     Aos três anos ficou órfã de pai, um pequeno industrial da seda. A menina foi educada pela irmã mais velha, Marcelina, e desde cedo aprendeu a arte de fiar. Mas, Marcelina, jovem piedosíssima, que sob a orientação do Beato Luís Guanella, será cofundadora do Instituto das Filhas de Santa Maria da Providência, convenceu os irmãos a enviá-la ao Instituto das Irmãs Canossianas de Gravedona para que continuasse os estudos, prestando ao mesmo tempo serviços domésticos.
     Ali permaneceu por seis anos, que a marcaram profundamente. Dina admirava a vida das Irmãs, impregnou-se de seu espírito, viveu dias de intensa piedade. Acreditava ser chamada para a vida religiosa, conforme o programa de Santa Madalena de Canossa, que proclamava: "Deus só!" Devido, entretanto, ao seu caráter tímido e reservado, inclinado ao silêncio e à contemplação, mais do que a ação, foi considerada inapta para aquele Instituto e voltou para a família.
     Entrementes, em Pianello Lario, o pároco, Padre Carlos Coppini, havia agrupado jovens numa Pia União de Filhas de Maria, sob a proteção de Santa Úrsula e Santa Ângela Merici (10 de julho de 1871), e Marcelina se tornara superiora da obra. Com algumas daquelas jovens foi possível ao pároco inaugurar, em outubro de 1873, um providencial albergue para velhos e crianças abandonadas.
     Regressando a terra natal, o pároco aconselhou Dina a ingressar no albergue. Ela o fez sem muito entusiasmo, pois aquela piedosa casa, que ela não conhecia muito, lhe parecia imersa em uma grande atividade com as crianças, os anciãos e na ajuda aos necessitados da região, enquanto ela preferia uma casa toda dedicada à oração e à contemplação. Mas, em 27 de outubro de 1878 ela emitiu a profissão religiosa, tomando o nome de Clara.
     Em julho de 1881, o pároco faleceu, vindo substitui-lo o Beato Luís Guanella, que passou a dirigir as religiosas de que fazia parte Clara Bosatta.
     No ano escolar 1881-82 Clara completou a preparação para diplomar-se professora do curso elementar, sem poder prestar os exames. Foram-lhe confiadas as mais variadas tarefas, entre as quais a de Mestra de Noviças. Dedicou-se a educação das órfãs com maternal solicitude.
     O Beato Luís Guanella se dedicou em transformar a Pia União das Ursulinas em uma congregação com o título de Filhas de Santa Maria da Providência. Dedicava-se também à formação das religiosas e foi diretor espiritual de Irmã Clara, guiando-a na via da contemplação mais alta, especialmente da Paixão de Cristo, e fazendo que ela se empenhasse no serviço da caridade com os necessitados.
     Irmã Clara portou-se sempre com humildade, dedicação e abnegação até o heroísmo. Além do intenso trabalho no albergue, ajudava na paróquia ensinando catecismo a crianças e adolescentes, e visitava os doentes em suas casas.
     Em 1885, o Padre Lourenço Guanella, irmão do Beato Luís Guanella, pediu que as Irmãs Marcelina e Clara, com mais uma Irmã, abrissem uma nova casa em Ardenno. Não lhes faltaram trabalhos e sérias dificuldades. Foi uma experiência que preparou Irmã Clara para uma nova tarefa: em maio do ano seguinte, foi-lhe confiada a direção da Casa da Divina Providência, que se tornaria a casa-mãe da obra do Beato Luís Guanella.
     Irmã Clara tornou-se logo o centro propulsor e amoroso daquela casa: das Irmãs, das postulantes, dos hóspedes, dos anciãos necessitados, das jovens operárias na cidade. De saúde delicada, ela trabalhou até ao esgotamento. No outono de 1886 adoeceu dos pulmões. Esperando que o ar da terra natal pudesse ajudá-la, transportaram-na para Pianello, onde faleceu no dia 20 de abril de 1887.

     O próprio Beato Guanella promoveu a abertura da causa de sua beatificação. O processo informativo foi aberto em Como no ano de 1912. Foi beatificada em 21 de abril de 1991. Seu corpo é venerado no Santuário do Sagrado Coração de Como, ao lado do Beato Luís Guanella.







sábado, 19 de abril de 2014

SÃO JOSÉ MOSCATI, o Médico Santo.


São José Moscati, o médico santo
Quem é São José Moscati?

Paulo VI, o Papa que o beatificou:
"Quem é este que se nos propõe para que todos o imitemos e veneremos”?
É um leigo que fêz de sua vida uma missão vivida em plena autenticidade evangélica...
É um professor universitário que deixou entre seus alunos uma marca de profunda admiração...
É um homem de ciência célebre pela sua contribuíção científica a nível internacional... Sua existência é simplesmente tudo isto...

João Paulo II, o Papa que o canonizou:
“O homem que a partir de hoje nós invocaremos como um Santo da Igreja universal representa para nós a realização concreta do leigo cristão”.
José Moscati, Médico diretor de clínica, pesquisador famoso no domínio científico, professor universitário de fisiologia humana e de química fisiológica, tomou suas múltiplas atividades com todo o engajamento que necessita a delicada profissão de leigo.
Sob este ponto de vista Moscati é um exemplo não somente a ser admirado mas a ser seguido, sobretudo pelos representantes sanitários. Ele representa um exemplo até para os que não partilham de sua fé."


 Os Pais

A família Moscati provém de Santa Lucia de Serino, pequena região na província de Avellino.
Em S. Lucia de Serino, em 1836, nasceu Francisco, o pai do futuro Santo, que se diplomou em jurisprudência e percorreu brilhantemente a carreira da magistratura.
Foi juiz do Tribunal de Cassino, Presidente do Tribunal de Benevento, Conselheiro da Corte de Apelo, primeiro em Ancona e depois em Nápoles, onde faleceu em 21 de Dezembro de 1897.
Em Cassino Francisco Moscati conheceu e esposou Rosa de Luca. Do matrimônio nasceram nove filhos: José foi o sétimo.
Assim viveu o pai do Santo, todo ano conduzia a esposa e os filhos a terra natal, para um período de repouso e para estar em contato com a natureza. Se dirigiam juntos à igreja das Clarissas, para participar da Missa, que freqüentemente o próprio Francisco servia.
Em duas cartas S. José Moscati faz referência a terra natal. A primeira é de 20 de Julho de 1923, escrita durante sua viagem à França e Inglaterra:
“Às 14.20 horas partimos para Modane, para a França. [...] Atravessamos os vales fechados de montes recobertos de castanheiras (Borgonha). Aqui e lá o nastro prateado dos rios: como é simples esta paisagem como aquela inesquecível de Serino, o único lugar ao mundo, a Irpinia, onde com prazer passarei os meus dias, porque encerra as mais importantes, as mais doces memórias da minha infância, e os restos mortais dos meus queridos”!
A segunda carta foi escrita em 19 de Janeiro de 1924, depois de ter presenciado a morte de um tio seu:
“O fim de tio Carmelo é o abalo de tantas recordações queridas ligadas à sua pessoa. Oh, as doces memórias da infância, dos montes de Serino! Assim como as pessoas da terra de meu pai me estão plantadas no coração indelével; e a desilusão de mais: Precipita a parte romântica da minha personalidade. E mais me sinto só, só e próximo a Deus”!


 Benevento, cidade natal do santo

José Moscati nasceu em Benevento em 25 de Julho de 1880, festa litúrgica de S. Tiago Maior Apóstolo. A família mudou-se para lá de Cassino em 1877, quando Francisco Moscati foi promovido Presidente do Tribunal, tomando morandia na Rua S.Diodato, nos arredores do hospital dos irmãos de caridade.
Poucos meses depois foram morar em um apartamento da Rua Porta Áurea, próximo ao Arco de Trajano, construído em honra do Imperador em 114 d.C. No palácio Andreotti, comprado depois da família Leo, nasceu José, no último quarto à esquerda. Se tem acesso ao apartamento através de um amplo portal que vai a um pátio ao qual parte uma grande escada de pedra. Uma lápide ao lado do portão de entrada recorda o acontecimento.
Na Catedral de Benevento, na capela do SS. Sacramento, se pode admirar a estátua de mármore de S. José Moscati, obra de P. Mazzei de Pietrasanta.
Em 03 de Setembro de 1860, após cerca de oito séculos de governo pontifício, Benevento era anexada ao Reino da Itália.
O último Delegado Apostólico, Mons. Eduardo Agnelli, ao deixar a cidade havia recebido honra das armas dos soldados do novo regime. A cidade mudava de vida e entrava na ordem territorial da nação italiana.
“Segundo o esquema político piemontês foram desapropriados os conventos, expulsos os religiosos, violados os arquivos, deturpadas ou destruídas as linhas arquitetônicas dos antigos edifícios. Alguns esperavam coisas novas e interessantes. Outros temiam... O clã maçônico, importado da zona limítrofe, então também teve seu tempo favorável”.
À chegada da família Moscati, [...] em Benevento os ardores eram em boa parte às escondidas". (Lauro Maio, S.Giuseppe Moscati e Benevento sua città natale, Benevento 1987, p.13).


Formação humana e cristã

José Moscati nasceu em Benevento no dia 25 de Julho de 1880. Filho de Francisco, Presidente do Tribunal de Benevento e de Rosa de Luca, dos Marqueses de Roseto. José era o sétimo de nove filhos.
Ele foi batizado em casa seis dias após o nascimento, no dia 31 de Julho de 1880, festa de santo Inácio de Loiola, por Dom Inocente Maio.
Em 1881, seu pai foi promovido conselheiro na Corte de Apelação e se transfere para Ancona com sua família. Em 1884, ele se muda para Nápoles como Presidente da Corte de Apelação.
O pequeno José fez seu primeiro encontro com Jesus Eucarístico, no dia 08 de Dezembro de 1888, na igreja das Servas do Sagrado Coração (Ancelle del Sacro Cuore) de Nápoles, durante uma cerimônia celebrada por Monsenhor Henrique Marano. Não possuímos outras informações sobre este acontecimento, mas podemos dizer que foi neste dia que foram lançadas as bases de sua vida eucarística, que será um dos segredos da santidade do professor Moscati.
Após os estudos primários, José Moscati entra no Liceu Clássico, instituto Vittorio-Emanuele, no qual ele prestará o vestibular em 1897.
Dois meses após ter iniciado seus estudos de Medicina, o jovem Moscati é atingido por um grande luto, que o marcará profundamente: seu pai Francisco, em seguida a uma hemorragia cerebral, morrerá dois dias mais tarde, no dia 21 de Dezembro de 1897, após ter recebido os últimos sacramentos.
No ambiente universitário, Moscati se distinguirá pelo seu cuidado e empenho e no dia 4 de Agosto de 1903, obterá seu Doutorado de Medicina, com uma tese sobre a urogenese hepática, e obterá louvores.


Universidade e Hospital

Após a obtenção do Doutorado em Medicina, a universidade e o hospital se tornarão o campo de atividade do jovem médico. Logo ele passará um concurso de Colaborador Extraordinário no Hospital dos Incuráveis (1903) e um outro de Assistente no Instituto de Química Psicológica (1908), onde ele logo ganhará muitas marcas de admiração e de prestígio no domínio científico.
Um novo luto, no dia 13 de Junho de 1904, atinge Moscati, seu irmão Alberto morre, o qual sofria de epilepsia após uma queda de cavalo durante uma parada militar em 1892.
José tinha o hábito de passar várias horas junto a ele para tratá-lo. É à cabeceira de seu irmão que ele decidirá seguir os estudos de medicina, caso único em sua família e objeto de discussões.
Em 1906, erupção do Vesúvio, Moscati se distinguirá pelos seus trabalhos de socorro. Na Torre del Greco (perto de Nápoles), ele providenciará a evacuação do hospital de onde ele próprio ajudará os doentes a sair antes do desabamento do teto.
Dois dias mais tarde ele mandará uma carta ao diretor geral dos Hospitais Reunidos de Nápoles, propondo gratificar as pessoas que o ajudaram, mas insistirá muito para que não citem o seu nome.
Em 1911, com 31 anos, o doutor Moscati é aprovado no concurso de Colaborador ordinário dos Hospitais Reunidos. Era um concurso muito importante que não era realizado desde 1880 e do qual participam médicos vindos de todas as partes.
No mesmo ano, pela iniciativa de Antônio Cardarelli, a Academia Real de Medicina Cirúrgica o nomeará Membro participante e o Ministério de Educação Pública lhe atribuirá o Doutorado em Química Fisiológica.
“Lembrem-se que, ao optar pela medicina, vocês tomaram a responsabilidade de uma missão sublime. Com Deus no coração, perseverem, praticando os ensinamentos de seus pais, o amor e a compaixão pelos que sofrem e com uma fé e um entusiasmo surdos aos elogios e às críticas”. 
(carta enviada ao doutor Giuseppe Biondi; 1 de Setembro de 1921)


No final do ano de 1914, Rosa, a mãe do professor Moscati, atingida pela diabete, vê a sua doença, ainda incurável por então, se agravar. Moscati foi um dos primeiros médicos em Nápoles, a experimentar a insulina. Sua mãe morre no dia 25 de Novembro de 1914.
Antes de expirar, após ter recebido com muita devoção os últimos sacramentos, ela dirá aos seus filhos que se ajuntam em torno a ela: “Meus filhos, morro contente. Fujam do pecado que é o maior mal da vida”.
No dia 24 de Maio de 1915, a Itália entra no conflito mundial; o professor Moscati apresenta o pedido de alistamento voluntário, entretanto ele não será aceito. As autoridades militares confiarão os feridos aos seus cuidados. Ele visitará e cuidará de aproximadamente 3.000 militares, pelos quais ele redigirá um diário e suas histórias clínicas. Moscati foi para eles não somente o médico, mas também o consolador atencioso e afetuoso.
Nos anos que se seguirão, o professor Moscati renunciará à cadeira de Química Fisiológica da Universidade Frederico II de Nápoles. Será seu amigo e compadre, o professor Quagliarello, designado pelo próprio Moscati como alternativa, a se beneficiar disto.
Mais tarde, o professor Quagliarello se tornará Reitor desta universidade. É ele que, com grande humildade, nos fornecerá estas informações e declarará muito justamente: “Quantos gestos de generosidade deste gênero ele não fez? Só o Bom Deus o sabe, pois muito frequentemente, os próprios beneficiários não estavam ao par”.


 Escolha Definitiva Pelo Trabalho Hospitalar

Após esta decisão, tomada conscientemente, o professor Moscati se orienta definitivamente em direção do trabalho hospitalar, onde ele empregará todo seu tempo, sua experiência e seus recursos. As doenças e misérias físicas e espirituais estarão sempre no primeiro lugar de suas preocupações, pois os doentes - ele dirá – “são a imagem de Jesus Cristo, almas imortais, divinas, que temos o dever urgente de amar como a nós mesmos, segundo o Evangelho”.
São estas as convicções que Moscati manifesta nos seus escritos, principalmente quando ele se dirige aos seus colegas, lembrando-lhes que “a dor não deve ser tratada como uma vacilação ou uma contração muscular, mas, como o grito de uma alma ao qual um outro irmão, o médico, acorre com ardor e caridade”.
O renome de Moscati como professor e médico aumentava com a sua fama. Todos falavam de suas aulas, de suas qualidades de discernimento, de seu trabalho com os doentes. O conselho de administração o nomeará Diretor da Sala III dos Homens. Era em 1919.

 Médico Diretor do Instituto de Anatomia Patológica

Além de seu intenso trabalho entre a Universidade e o Hospital o professor Moscati assegurava também a direção do Instituto de Anatomia Patológica, anteriormente dirigido por Luciano Armanni, mas em seguida descuidado por falta de atenção.
“Mas a vida não acaba com a morte, ela continua num mundo melhor. Foi a todos prometido, após a rendenção do mundo, que chegará o dia que nos reunirá aos nossos seres queridos já falecidos, e que nos levará ao Amor supremo” (carta a Mr Mariconda, de 27 de Fevereiro de 1919).
De acordo com o professor Quagliarello ele se tornará logo "um mestre em autópsias". O professor Rafael Rossiello, que estudou a fundo e com competência a anatomia patológica de São josé Moscati, afirma que após sua morte, nem as revista sanitárias, nem os que se lembravam dele em seus discursos, nem as numerosas biografias revelaram “sua atividade de mestre do setor e diretor do Instituto de Anatomia e Histologia Patológica Luciano Armanni”.

Por outro lado a descoberta - pelo doutor Renato Guerrieri - médico diretor do hospital dos incuráveis, de um registro de autópsias efetuadas por Moscati no período - indo de 25 de Dezembro de 1925 a 9 de Fevereiro de 1927 - nos mostra de novo o aspecto quase desconhecido da personalidade complexa de josé Moscati no domínio médico e científico.
Luciano Armanni fizera gravar esta frase na entrada da sala de anatomia: “Hic est locus ubi mors gaudet succurrere vitae” ("Aqui a morte está contente de ajudar a vida"). "Mas na sala - escreve o professor Nicola Donadio - não havia nenhum traço de religião. O aposento era austero mas vazio, exatamente como em todos os lugares dominados pelo materialismo.
O professor Moscati teve uma idéia e a realizou, a de colocar muito alto na parede da sala, de modo que pudesse dominar o aposento, um crucifixo com uma inscrição que não poderia ser melhor: “Ero mors tua, o mors” (citação do profeta Oséia, 13. 14: Oh morte, eu serei a tua morte").
As autópsias realizadas por Moscati eram uma lição de vida.

Relato de um aluno de Moscati: o doutor André Piro
“Um dia, enquanto estávamos visitando os doentes, fomos convidados a ir à sala das autópsias; ficamos surpresos, não podendo entender este convite, pois neste dia não havia nenhuma autópsia a ser feita. O professor Moscati, que nos tinha convidado, já tinha se dirigido à sala e nos apressamos em segui-lo. Sobre a mesa anatômica não havia nada e os que nos tinham precedido estavam olhando a parede, no alto da qual podia-se admirar um Crucifixo com uma inscrição "Ero mors tua, o mors" que o Professor fizera dependurar. Tínhamos sidos convidados a prestar homenagem ao Cristo, à Vida que voltava a este lugar de morte após uma ausência bem longa”.

 Médico Diretor da Ala III Masculina, no Hospital dos Incuráveis

Em 1919 ele foi nomeado oficialmente Médico Diretor da Ala Masculina, pela Administração do Hospital. De acordo com as avaliações sobre o trabalho de Moscati e as alusões à sua nova posição constatamos que esta última promoção foi uma grande alegria para todos: seus amigos, seus assistentes e alunos.
A reputação de Moscati como mestre e médico era indiscutível. Todo mundo exaltava suas aulas, seus diagnósticos e seu trabalho entre os doentes.
“O médico está numa posição privilegiada, pois frequentemente ele se encontra em presença de almas que - apesar de erros cometidos - estão capitulando e voltando aos princípios heréticos dos ancestrais e estão ansiosos em serem reconfortados pois estão arrasados pelas dores. Bem aventurado o médico, que pode compreender o mistério destes corações e inflamá-los de novo”.
(carta enviada ao doutor Onófrio Nastri de Amalfi (SA), no dia 8 de Março de 1925)


Ninguém mais do que ele podia aspirar a este posto e ninguém era mais qualificado do que ele para recebê-la. Também ele estava contente, mas como sempre para ele, a satisfação humana não estava separada da satisfação espiritual que apenas passava pelos fatos contingentes e tomava raízes por motivações muito mais elevadas e nobres.
No hospital os sucessos não lhe diziam respeito mas concerniam exclusivamente os doentes pelos quais ele se empenhava e trabalhava com afinco. É o que se apreende de uma carta escrita no dia 26 de Julho de 1919 dirigida ao Senador G.D'Andrea - Presidente dos Hospitais Reunidos de Nápoles.
Agradeço vivamente Vossa Senhoria e o Conselho de Administração pela promoção de Médico diretor de Sala, que acaba de me ser concedida.
Desde minha infância, via com interesse o hospital dos Incuráveis, que meu pai me mostrava com o dedo e este lugar me inspirava sentimentos de compaixão por causa da dor sem nome, aliviada no interior destas paredes.
Levado por profunda emoção eu começava a refletir sobre a renovação periódica do mundo e as ilusões se iam como se fossem as flores das laranjeiras que caíam em volta de mim.
Nesta época, eu me consagrava aos estudos de Letras e não imaginava e nem sonhava que um dia neste edifício branco - onde mal se viam atrás dos vitrais os doentes hospitalizados como se fossem fantasmas brancos - eu subiria ao escalão mais elevado da medicina.
Vou tentar, graças a Deus, e com minhas módicas forças, de responder à confiança que me foi concedida e de colaborar na reconstrução econômica dos velhos hospitais de Nápoles nestes tempos tão miseráveis”.

A Morte Repentina

No dia 12 de Abril de 1927, Terça-Feira Santa, o professor Moscati, depois de ter participado da missa, como todos os dias, e de ter recebido a comunhão, passou a manhã no hospital, depois voltou para casa e após uma refeição, como de hábito, ele se ocupou dos pacientes que vinham consultá-lo em casa.
Por volta das 15 horas, ele teve um mal-estar e se sentou no seu sofá, pouco depois ele cruzou os braços e expirou serenamente. Ele tinha 46 anos e 8 meses.
A notícia de sua morte se espalhou imediatamente e a dor foi unânime. Os pobres principalmente o prantearam sinceramente pois eles tinham perdido o seu benfeitor.


 Traslado do corpo para a igreja do "Gesù Nuovo"

O corpo foi enterrado no cemitério de Poggioreale. Mas três anos mais tarde, no dia 16 de Novembro de 1930, por insistência de várias personalidades do clero e de leigos, o arcebispo de Nápoles, cardeal Alessio Ascalesi, permitiu o traslado do corpo do cemitério para a igreja do Gesù Nuovo, entre uma dupla fileira de pessoas.
É Nina Moscati, a irmã do professor, que nesta ocasião será a mais feliz de todos, pois ela sempre esteve perto de seu irmão para encorajá-lo e apoiá-lo na prática de caridade e será ela quem, após a morte, doará à igreja todos os pertences pessoais de Moscati assim como os móveis e objetos.
O corpo foi deposto numa sala atrás do altar de São Francisco Xavier, e hoje uma pedra de mármore, colocada à direita deste altar, lembra-o ainda.


 A Beatificação (Paulo VI)

A grande estima e a consideração que já em vida cercavam o professor Moscati cresceram após a sua morte, e logo a dor e as lágrimas dos que o conheceram e amaram se tornaram em alegria, entusiasmo e reza. Rogava-se por ele para tudo.
Enquanto isto, instruiu-se o processo para o exame de dois milagres: duas curas atribuídas ao Servo de Deus.

Neste dia, na praça de São Pedro, apesar de uma chuva que cairá várias vezes, uma grande multidão de fiéis seguirá com viva emoção até o fim o rito sagrado.
No dia 16 de Novembro de 1975, o papa Paulo VI proclama José Moscati como Bem-Aventurado, durante uma celebração solene na basílica de São Pedro em Roma.

 A Canonização (João Paulo II)

Em 1977, dois anos após a Beatificação, houve o reconhecimento canônico do corpo: recompôs-se o esqueleto de Moscati e depuseram-no num relicário de bronze feito pelo professor Amadeu Garufi e em seguida colocado sob o altar da Visitação.
A devoção a Moscati vai aumentando cada dia mais. As graças obtidas por sua intercessão são cada dia mais numerosas. Com vistas à canonização, será examinada a cura da leucemia mielóide aguda mielobástica, do jovem José Montefusco, que aconteceu em 1979.
Traslado do corpo para a igreja do Gesù Nuovo - 16 de Novembro de 1930
Finalmente, após longos exames, durante o consistório de 28 de Abril de 1987, o Papa João Paulo II fixa a data da canonização para o dia 25 de Outubro do mesmo ano 1987.
De 1 a 30 de Outubro, em Roma, se desenrolava a VII assembléia do Sínodo dos Bispos, cujo tema era: "Vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, 20 anos após o Concílio Vaticano II".
No dia 25 de Outubro de 1987, às 10 horas da manhã, na praça de São Pedro, em Roma, o Papa João Paulo II, em presença de 100.000 pessoas, proclama e admite oficialmente José Moscati no número dos Santos (60 anos após sua morte).
Não poderia haver melhor coincidência: José Moscati era um leigo que tinha cumprido sua missão na Igreja e no mundo. Sua canonização era muito desejada e esperada por todos: estudantes, universitários e médicos, que tinham conhecido o médico Moscati como um homem de grande fé e de grande caridade, que assistia e aliviava os sofrimentos de seus doentes, mas que principalmente, levava-os a Deus.
Sua festa litúrgica será fixada para o dia 16 de Novembro.


Túmulo onde estão os restos mortais do santo. 

Estátua de São José Moscati em igreja. 

Santinho com relíquia de São José Moscati. 




PENSAMENTOS DE SÃO JOSÉ MOSCATI
A vida é um piscar de olho: honras, triunfos, riquezas e ciências tombam, diante da realização do grito do Gênesis, do grito lançado por Deus contra o homem culpado: tu morrerás!
Mas a vida não acaba com a morte, continua com um jeito melhor. Para todos é prometido, após a redenção do mundo, o dia que nos reunirá a nossos entes falecidos, e que nos reconduzirá ao supremo Amor!" [De carta ao advogado Mariconda, que perdeu a irmã. 27 de fevereiro 1919]

 "Mas a vida foi definida um relâmpago no eterno. E nossa humanidade, por mérito da dor que a recheia, e da qual se saciou Aquele que vestiu nossa carne, transcende a matéria e nos leva desejar uma felicidade além do mundo. Bem-aventurados aqueles que seguem essa tendência da consciência, e olham para o além, onde os afetos terrenos, que pareciam precocemente quebrados, serão reunidos". [Da carta à Senhorita Carlotta Petravella, que perdeu a mãe. 20 de janeiro 1920]

 "Lembras que, seguindo a medicina, assumiste a responsabilidade de uma sublime missão. Persevera, com Deus no coração, com os ensinamentos de teu pai e de tua mãe sempre na memória, com amor e piedade para os derrelitos, com fé e entusiasmo, surdo aos elogios e críticas, impassível à inveja, disposto só ao bem" [Da carta ao Dr. Giuseppe Biondi, 4 de setembro 1921]
 "Seja o que for, lembra duas coisas: Deus não abandona ninguém. Quanto mais te sentires só, ignorado, vilipendiado, incompreendido e quando pensares sucumbir ao peso de uma grave injustiça, terás a sensação de uma força infinita e arcana, que te tornará capaz de propósitos bons e viris, de cuja potência te maravilharás, quando tornares sereno. E esta força é Deus!" [Da carta ao Dr. Cosimo Zacchino, 6 de outubro 1921]

 "Os doentes são as imagens de Jesus Cristo. Muitos malvados, delinqüentes, blasfemadores, acabam de chegar ao hospital por disposição da misericórdia de Deus, que os quer salvos! Nos hospitais a missão das irmãs, médicos, enfermeiros, é de colaborar a esta infinita misericórdia, ajudando, perdoando, e se sacrificando." [Folhinha escrita por Moscati, com data de 17 de janeiro de 1922, e encontrada num livro após sua morte]

  "Mesmo longe, não deixes de cultivar e rever cada dia teus conhecimentos. O progresso fica numa contínua critica de quanto aprendemos. Uma só ciência é inabalável e imutável, aquela revelada por Deus, a ciência do além!. Em todas suas obras, olhe para o Céu e à eternidade da vida e da alma, e teu rumo será bem diferente de como seria sugerido pelas puras considerações humanas, e tua atividade será inspirada ao bem". [Da carta ao Dr. Consoli, aluno de Moscati, que devia deixar Nápoles. 22 de julho 1922]

 "Meu Jesus, amor! Teu amor me torna sublime; teu amor me santifica, me leva não a uma criatura só, mas a todas as criaturas, à infinita beleza de todos os seres, criados à tua imagem e semelhança!" [Oração escrita por Moscati, de 5 de junho de 1922, encontrada pela irmã Nina]

 "Não a ciência, mas a caridade transformou o mundo, em algumas épocas; somente poucas pessoas passaram à história por causa da ciência; mas todos poderão ficar eternos, símbolo da eternidade da vida, em que a morte é só uma etapa, uma metamorfose para uma ascensão maior, se dedicarem-se ao bem.

"Sempre está vivo no meu coração a amargura por saber-te longe; e somente me conforta a esperança que tu tenhas guardado em ti algo de mim; não porque vale nada, mas por aquele conteúdo espiritual que me esforcei de guardar e difundir ao meu redor: tarefa sublime, mas tão inatingível pelas minhas pobres forças"! [Da carta ao Dr. Antonio Guerricchio, 22 de julho 1922]

 "Ama a verdade; mostra-te qual és, sem ficções, medos e precauções. Se a vida te custar perseguição, aceita-a; e se for o tormento, suporta-o. E se para a verdade precisares sacrificar a ti mesmo e tua vida, seja forte no sacrifício." [Bilhete escrito no 17 de outubro 1922, por Giuseppe Moscati]

 Lembra que viver é missão, é dever, é dor! Cada um de nós deve ter seu lugar de combate...
Lembra de te preocupar não só do corpo, mas também das almas que gemem, que te procuram. Quantas dores saberás aliviar mais facilmente com o conselho, e descendo ao espírito, mais do que as frias receitas a ser entregues para o farmacêutico! Se alegre, porque grande será sua recompensa; mas precisa dar exemplo de tua elevação a Deus para aqueles que te rodeiam". [Da carta ao Dr. Cosimo Zacchino. Ascensão 1923]

 "Acreditei que todos os jovens merecedores, encaminhados entre as esperanças, sacrifícios, anseios de suas famílias, à via da medicina nobilíssima, tivessem o direito a se aperfeiçoarem, lendo um livro que não foi imprimido preto no branco, mas que por capa tem as camas hospitalares e as salas de laboratório, e por conteúdo a dolorida carne dos homens e o material científico, livro que precisa ser lido com infinito amor e grande sacrifício ao próximo.
Pensei que fosse uma dívida de consciência instruir os jovens, aborrecendo o costume de guardar com mistério ciumento o fruto da própria experiência, mas revela-lo a eles..." [Da carta ao Prof. Francesco Pentimalli. 11 de setembro 1923]

 "Todos os jovens deveriam compreender que na prática da continência está o melhor modo de se prevenir da maior doença transmissível... Tendo seu espírito e seu coração longe da imoralidade, com um exercício de renúncia e de sacrifício, deveriam jurar de conceder sua maturidade e sanidade sexual somente ao ser unicamente amado." [Do prefácio de G. Moscati a um livro de Giuseppe De Giovanni s.j. e do Prof. Mario Mazzeo, com o título: L’eugenica. 1925]

 "Tenho aqui na mesinha, entre as primeiras flores da primavera, o retrato de tua filha, e paro, enquanto escrevo, a meditar sobre a caducidade das coisas humanas. Beldade, todo encanto da vida passa... Fica eterno só o amor, causa de toda obra boa, que sobrevive a nós, que é esperança e religião, porque o amor é Deus.
Satanás tentou poluir também o amor terreno, mas Deus o purificou pela morte. Grandiosa morte que não é fim, mas princípio do sublime e do divino, diante dele estas flores e beleza são nada! Teu anjo, tirado em seus verdes anos, como sua dileta amiga, encontrada nos últimos dias, a bem-aventurada Teresa, do céu protege a ti e a sua mãe”...
[Da carta ao Escrivão De Magistris, cuja jovem filha faleceu. 7 de março 1924. * José Moscati era muito devoto à então bem aventurada Teresa do Menino Jesus (S. Teresa de Lisieux). Fale dela em algumas suas cartas e tinha em seu quarto uma sua imagem. Sobre isso pode-se ler o artigo de Giuseppe Samà s.j.: S. Teresa de Lisieux e S. José Moscati, dois grandes santos de nosso tempo.]

 "Esta noite li a sua tese. Foi um grande sucesso... A comissão toda aplaudiu. Veja que quem não abandona Deus, terá sempre um guia na vida, segura e reta. Não prevalecerão desvios, paixões contra aquele que do trabalho e da ciência – dos quais Initium est timor Domini – fez seu ideal." [Da carta ao Dr. Francesco Pansini. 10 de março 1926]

"Que a matéria seja animada por muitíssimas e profundas energias que a envolvem em suas atividades e na progressiva complexidade de suas formas, nada se opõe a acolher, mas precisa também lembrar que este princípio de espiritualidade... esta ordem maravilhosa, que se organiza na matéria até alcançar os mais altos topos de sua elaborada organização, não seja outra coisa que o atestado de um Deus absconditus que regula com suprema inteligência este soberbo edifício sobre o qual se eleva a vida, vida que acontece por causa das leis da Alta Sabedoria que tudo move; ainda mais maravilhosas quando elas governam não somente os cosmos colossais, mas também a mais delicada trama do mais microscópico elemento." [Pensamento de Moscati referido pelo Prof. Pietro Castellino após a morte do Santo]

 "A necessidade de eternizar no mármore e no bronze as grandes figuras falecidas, e celebrar sua obra, demonstra que o pensamento e o espírito humano são eternos.
Abaixo de cada cruz e cada haste deste cemitério, onde parece que haja só ossos inermes e pó, há a lembrança de um coração que viveu do amor infinito e sofreu uma imensa dor; tem a sede de um espírito que não pode ficar extinguido." [Palavras de Moscati para a dedicação de um busto a Giovanni Paladino, no cemitério de Poggioreale]

 "Amamos a Deus sem medida, quer dizer, sem medida na dor e sem medida no amor... Coloquemos todo nosso afeto, não somente nas coisas que Deus quer, mas na vontade do mesmo Deus que as determina." [Do depoimento da Senhorita Emma Picchillo]


 "Exercitemo-nos quotidianamente na caridade. Deus é caridade: quem está na caridade está em Deus e Deus está nele. Não esqueçamos de fazer cada dia, aliás, cada instante, oferenda de nossas ações a Deus, cumprindo tudo por amor a ele." [Do depoimento da Senhorita Emma Picchillo]