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Encontre o (a) Santo (a), Beato (a), Venerável ou Servo (a) de Deus

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Beata Maria Cristina de Savóia, Rainha das Duas Sicílias e Franciscana Secular.


O Cardeal Ângelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, presidiu, na manhã de sábado, cerimônia de Beatificação de Maria Cristina de Savoia, Rainha das duas Sicílias, em Nápoles. A cerimônia foi realizada solenemente na Basílica de Santa Clara dos Frades Menores.


Beata Maria Cristina de Savóia
A rainha Maria Cristina de Savóia nasceu em Cagliari, na Sardenha, em 14 de novembro de 1812. Era a filha mais nova de Vittorio Emanuele I, rei da Sardenha e da arquiduquesa Maria Teresa de D'Asburgo-Este.

Casou-se em 1832, com o rei Fernando II, tornando-se, então, rainha das Duas Sicílias. Tinha, então, pouco mais de 20 anos. Era uma jovem de sentimentos profundamente religiosos, bem formada, exemplar praticante das virtudes católicas.

Porque praticava as virtudes cristãs, era conduzida a ter sempre presente o senso católico da vida. Por isso mesmo, percebia o afastamento existente entre os modos e costumes vividos na côrte e o estilo de vida que deveria levar um nobre católico. Ela via claramente a distância entre o mundanismo da nobreza e a santidade de vida que ela praticava. Apesar do título nobiliárquico de "rainha" e de viver entre nobres, era pobre de espírito e desapegada dos bens materiais. Seu quarto, mesmo no palácio, era de estilo simples, livre de adornos exagerados. Vivia santa e piedosamente seu estado de esposa, mãe de família e de leiga cristã através de uma profunda e filial devoção a Maria Santíssima, da frequência cotidiana à Santa Missa e à Eucaristia, bem como através do exercício da caridade para com os pobres e necessitados. 


O falecimento da chamada "Rainha Santa" foi em Caserta, perto de Nápoles, em 31 de janeiro de 1836. Ela ainda não tinha ainda 24 anos. A causa de sua morte foram complicações tidas no parto, ao dar à luz seu único filho, Francisco II, o último rei das Duas Sicílias.

Quais ensinamentos a jovem rainha de Savóia, recentemente elevada à glória dos altares em Nápoles, deixa aos fiéis dos nossos dias?

Eis o que responde o Cardeal Ângelo Amato, Prefeito das Causas dos Santos, oficiante da cerimônia de beatificação dela no último sábado, dia 25 de janeiro:

"A beatificação da rainha Maria Cristina de Savóia demonstra que a porta estreita da santidade pode ser atravessada por todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, homens e mulheres, sacerdotes e leigos, porque a santidade consiste em amar a Deus e ao próximo, com todas as nossas forças.

A nova Beata foi tão conquistada pelo amor de Cristo, a ponto de transformar a nobreza real em nobreza da graça, tornando-se uma autêntica rainha da caridade. Ela fez da sua riqueza um talento, a ser investido no Reino dos Céus.


Como rainha, edificou a corte e o povo, com o seu testemunho cristão, rezando, aconselhando e socorrendo, com generosidade, os pobres da cidade e do reino de Nápoles. Por sua solícita caridade, os napolitanos a chamavam "Rainha santa".

São Francisco Xavier Maria Bianchi, Presbítero da Congregação dos Clérigos Regulares de São Paulo ou Barnabitas.


Hoje, a Igreja faz memória obrigatória do grande São João Bosco, fundador dos Salesianos, apóstolo da educação da juventude. Porém, conforme o propósito deste blog - o de divulgar "santos desconhecidos" do grande público católico - preferi trazer aos leitores a vida de outro grande santo sacerdote: São Francisco Xavier Maria Bianchi, presbítero barnabita, famoso na cidade de Nápoles pelo amor e devoção que tinha ao próprio ministério sacerdotal, em especial à celebração da Santa Missa, ao amparo e socorro a todos os sofredores que o procuravam, bem como à direção espiritual de muitas almas. Espero que este santo tenha, daqui por diante, seu "lugarzinho" no coração de todos vocês. Muita saúde e paz, meus queridos irmãos e irmãs. 



São Francisco Xavier Maria 


Francisco Xavier Maria Bianchi nasceu no dia 2 de dezembro de 1743, na cidade de Arpino, França, e viveu quase toda a sua vida em Nápoles, Itália. Era filho de Carlo Bianchi e Faustina Morelli, sua família era muito cristã e caridosa. Francisco viveu sua infância num ambiente familiar, de doação ao próximo e que o influenciou durante toda sua existência religiosa.
Aos doze anos entrou para o "Colégio dos Santos Carlos e Felipe" da Congregação dos Clérigos Regulares de São Paulo, ou Barnabitas, e em 1762, para o seminário onde jurou fidelidade a Cristo e fez seus votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência. Completou os estudos de direito, ciência, filosofia e teologia em Nápoles e Roma. Foi ordenado sacerdote aos 25 de janeiro de 1767. Tendo em vista sua alta cultura, seus Superiores o enviam de volta para lecionar no Colégio de Belas Artes e Letras de Arpino e, dois anos depois, ao Colégio São Carlos em Nápoles, para ensinar filosofia e matemática. Em 1778 foi chamado para ensinar na Universidade de Nápoles. No ano seguinte recebe o título de "Sócio Nacional da Real Academia de Ciências e Letras". A intensa atividade no campo da cultura não o impediu, todavia, de viver plenamente a vida de religioso, desempenhando importantes cargos na Congregação e continuando a exercer seu ministério sacerdotal.


Com o transcorrer dos anos padre Bianchi deixou gradativamente de praticar o ensino e viveu mais o sacerdócio contemplativo e penitente na mortificação dos sentidos. Ao seu redor se formou uma próspera família espiritual. A fama de sua virtuosidade e santidade cresceu na mesma proporção em que suportou heroicamente uma doença incurável que o imobilizou numa cadeira por treze anos, os últimos de sua vida. Mesmo assim não deixou de celebrar a Santa Missa, de acolher e aconselhar a todos os que o procuravam, distribuindo palavras de coragem e conforto. Consumido pela doença morreu em 31 de janeiro de 1815, envolto pela paz e suprema alegria espiritual.




Francisco Bianchi viveu durante o período conturbado e histórico das sucessivas conquistas e batalhas empreendias pelo imperador Napoleão Bonaparte. Assistiu a destruição de todas as bases políticas da Europa. Sobretudo, viu o clima anti-religioso ser instalado e que se materializou contra o clero com leis de confisco, incêndios e expulsões de congregações inteiras dos domínios napoleônicos. Mas, padre Francisco Bianchi se manteve apaixonadamente sacerdote de Cristo. Lutou contra a miséria, a desnutrição, as epidemias, as doenças e por fim contra a baixa estima dos habitantes tão abandonados politicamente.

O seu funeral foi um dos mais comoventes, onde estiveram reunidas personalidades ilustres das áreas das artes, da ciência, da Igreja e a imensa população, para as últimas homenagens àquele que chamaram de "Apóstolo de Nápoles" e "santo". Em 1951, foi canonizado pelo papa Pio XII, em Roma. E as relíquias mortais de São Francisco Xavier Maria Bianchi foram sepultadas na capela da Igreja de Santa Maria de Caravaggio em Nápoles, Itália. Para sua homenagem e culto foi escolhido o dia 31 de janeiro.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

SANTA JACINTA MARISCOTTI, Virgem Terciária Franciscana, Modelo de Abnegação e Penitência.



Clarice de Mariscotti era filha de Marcantonio Mariscotti e Otávia Orsini, Condessa de Vignanello, localidade próxima de Viterbo, Itália, onde nasceu provavelmente no dia 16 de março de 1585.
De seus pais recebeu profunda formação religiosa. Entretanto, atingindo a adolescência, Clarice, nobre, bela, tornou-se vaidosa e mundana, buscando apenas divertir-se. Sua preocupação passou a ser vestidos, adornos, entretenimentos e um casamento digno de sua classe social.
Seu pai se preocupava muito com a salvação da filha. Resolveu mandá-la para o convento onde já estava sua irmã mais velha que, lá, era um exemplo de virtude. Clarice foi de má vontade, mas, como terceira franciscana, pois, alimentava o desejo de sair dele o mais rápido possível, para voltar à vida de antes. Tanto insistiu, que o pai acabou cedendo.
Mas, fora, ela não encontrou o que esperava: nenhum casamento apareceu e Clarice viu ainda sua irmã mais nova, Hortência, casar-se com o marquês romano Paulo Capizucci e ela ficar para trás.
Por insistência da família, ela retornou àquele mesmo convento das religiosas da Ordem Terceira Franciscana Regular, desta vez como freira, tomando o nome de Jacinta.
Mas, julgando ela que as celas das freiras eram muito pequenas e pobres, mandou construir uma especial para si, de acordo com sua posição social. Sua cela parecia um bazar pelos luxuosos adornos. Aquilo poderia ficar bem num palácio; destoava do ambiente do convento. Sua piedade é tíbia; a mortificação prescrita, um tédio; até recebe as admoestações com desprezo. Por dez anos levou no convento uma vida mundana.
Quando completou 30 anos, chegou a hora de Deus, e surgiu, potente, a nobre e católica linhagem que levava dentro de si. Uma grave doença a faz refletir sobre o fogo do Purgatório e do Inferno; tremeu de terror e clamou pelo confessor.
O padre Antônio Biochetti, virtuoso sacerdote, foi atender a doente. Mas, entrando naquele quarto luxuoso, recusou-se atender a confissão da freira, dizendo que o Paraíso não era feito para os soberbos. Chorando, perguntou-lhe: "Então, não há mais salvação para mim"? "Sim — respondeu o religioso — contanto, que deixe esses vãos adornos, essas vestimentas suntuosas, e se torne humilde, piedosa, esqueça o mundo e pense só nas coisas do Céu".
Na manhã seguinte, após ter trocado sua roupa de seda por um pobre hábito, Jacinta fez sua confissão geral com um verdadeiro arrependimento. Depois, no refeitório, aplicou-se forte disciplina diante das irmãs e pediu-lhes perdão pelos maus exemplos que havia dado.
 Nova enfermidade fez com que a ruptura com a vida antiga fosse total. Entregou tudo o que possuía para a superiora e revestiu-se com a mortalha de uma freira que acabava de morrer. Fez o propósito de romper com tudo aquilo que lhe lembrava a antiga vida. Desde então passou a ser chamada de Jacinta de Santa Maria e não mais de Mariscotti.
Trocou sua cama por um feixe de lenha, tendo uma pedra como travesseiro; mortificava-se dia e noite, tomando tão ásperas disciplinas, que o solo de sua cela ficava manchado de sangue. Às sextas-feiras, em memória da sede que Nosso Senhor sofreu na Paixão, colocava um punhado de sal na boca. Sua alimentação passou a ser pão e água. Durante a Quaresma e o Advento, vivia de verduras e raízes apenas cozidas na água.
Considerando-se como a pior pecadora, escolheu para patronos santos que tinham ofendido a Deus antes de se converterem, como Santo Agostinho, Santa Maria Egipcíaca e Santa Margarida de Cortona. Era devota do Arcanjo São Miguel, amava a contemplação da Paixão de Jesus Cristo, a Missa a levava às lágrimas, as imagens da Virgem Santíssima eram seu refúgio.
Procurava toda ocasião para se humilhar. Às vezes, ia ao refeitório com uma corda ao pescoço, ajoelhava-se diante das freiras, beijava-lhes os pés pedindo perdão pelos maus exemplos passados.

Ela escreveu a uma religiosa: "Há 14 anos que eu mudei de vida. Durante esse tempo eu rezei algumas vezes quarenta horas seguidas, assisti todos os dias a várias missas, e me encontro ainda longe da perfeição. Quando poderei servir meu Deus como Ele merece? Reze por mim, minha amiga, para que o Senhor me dê ao menos a esperança".
Embora se considerasse a mulher mais pecadora, a nomeiam subpriora e mestra de noviças. E a fama de suas virtudes propaga-se por toda a região. Deus recompensou sua fiel serva com dons extraordinários como o de profecia, milagres, conhecer os corações, ser instrumento de conversões e frequentes êxtases.

Santa Jacinta e a conversão de Pacini. 
A conversão de Francisco Pacini, célebre por seus desmandos, tornou-se famosa. Ouvindo falar dele, a santa fez jejuns e orações por sua conversão. Convencido por um amigo convertido por Jacinta, Pacini vai ao convento falar com ela. No parlatório, diante daquela pobre freira, começou a tremer e à medida que ela falava, ele foi se transformando, caiu de joelhos e prometeu confessar-se.
No domingo seguinte, o da Paixão, com os pés descalços e uma corda no pescoço, Pacini, no meio da Igreja pediu perdão a todos por seus crimes e escândalos. Mais tarde revestiu o hábito de peregrino e consagrou sua vida a Deus.
Jacinta reformou muitos conventos com cartas escritas às superioras relaxadas, admoestando-as dos castigos que as ameaçavam. Por sugestão sua a Duquesa de Farnese e de Savella fundou dois mosteiros de clarissas, um em Farnese, outro em Roma.
Ela se preocupava com as almas que se extraviavam no pecado e para sua recuperação fundou duas confrarias: a Companhia dos Sacconi, para atendimento material dos enfermos e para ajudá-los a morrer bem; e a Congregação dos Oblatos de Maria para incentivar a piedade, fazer obras de caridade e fomentar o apostolado dos leigos.
Como não tinha voto de clausura, Jacinta ia visitar os pobres, levando-lhes sempre o auxílio espiritual, além do material. Em seu grande apreço pela nobreza dava assistência especialmente aos nobres empobrecidos e envergonhados.

Santa Jacinta de Mariscotti entregou sua bela alma a Deus em 30 de janeiro de 1640. Foi canonizada em 1807 pelo Papa Pio VII. É festejada no dia de seu nascimento para o Céu.

Santa morte de santa Jacinta Mariscotti. São Francisco lhe aparece para
confortá-la e levar sua bela alma para o Céu. 



Corpo incorrupto de Santa Jacinta Mariscotti. 

Beato Columba Marmion, Abade Beneditino



O peregrino que se proponha conhecer as origens cristãs do Velho Continente não pode deixar de visitar a gruta de Subíaco, local escolhido pelo jovem Bento de Núrsia para consumar sua entrega a Deus, abandonando a vida de estudos que até então levava na Roma dos retóricos e literatos. E os que hoje trilham seus passos sentem uma forte atração pelo local, marcado misteriosamente pela presença do santo Patriarca e Patrono da Europa.

Enquanto se sobe pelos íngremes caminhos que conduzem ao mosteiro - exercício desde logo recompensado pelo belíssimo panorama -, o visitante pode discernir, se não através de voz humana, certamente pela da graça, aquele chamado do varão de Deus que atraiu legiões de almas à vida monástica: "Escuta, filho meu, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração. Recebe de bom grado o conselho de um bom pai, e cumpre-o eficazmente, para que, pelo trabalho da obediência, voltes Àquele de Quem te havias afastado".
Ao atento observador não passarão despercebidas algumas árvores que adornam o caminho, as quais bem simbolizam a história desta instituição. São vegetais de inacreditável robustez, cujas raízes se embrenharam pelo solo pedregoso e lograram subsistir em condições desfavoráveis. Enfrentaram os ventos das intempéries e os da História, mantendo-se eretas apesar das adversidades, e ostentando uma vitalidade que desperta surpresa e admiração.
Assim é a Ordem Beneditina. Nascida da vocação de São Bento, conta ela hoje quase 1.500 anos de existência. Atravessou todas as catástrofes, venceu as rudezas das guerras e as deficiências dos homens, e olha sobranceira para um passado que lhe valeu uma legião de filhos canonizados e dezesseis Papas saídos do silêncio de seus claustros. Dezesseis também foram os sucessores de São Pedro que se colocaram sob a proteção deste santo fundador - curiosamente, nenhum deles foi beneditino -, entre os quais nosso atual Romano Pontífice, Bento XVI.
Se a Europa cristã deve, em larga medida, a esta Ordem seu itinerário de conversão e civilização, também o século XX, palco de acontecimentos que mudaram os rumos da humanidade, recebeu a ação benéfica dela emanada, por meio de uma figura talvez pouco conhecida: o Beato Columba Marmion.


       O menino vestido de negro

Nasceu ele em Dublin, Irlanda, a 01 de abril de 1858, no seio de uma família de sólida formação católica. Sendo de frágil compleição, seus pais, William Marmion e Herminie Cordier, se apressaram em conduzilo à fonte batismal, dando-lhe o nome de José.
Criança de privilegiada inteligência e equilíbrio temperamental, parecia externar sob todos os aspectos uma vocação sacerdotal, embora não dispensasse os entretenimentos próprios à idade. Observando estes sinais, os pais tomaram uma singular decisão: vesti-lo sempre de negro, prevendo o hábito eclesiástico que um dia haveria de tomar.
Explicaram-lhe que procediam assim porque seria sacerdote. Mas o menino pareceu não se importar muito com isso. Estava mais interessado em escalar árvores e capturar borboletas. Enquanto os irmãozinhos trajavam alegres e coloridas vestimentas, segundo o gosto irlandês, José se distinguia por sua escura roupagem que, de fato, um dia trocaria pela batina.


Sacerdote aos 23 anos

Dentre os seis filhos daquele lar cristão, quatro foram agraciados pela vocação religiosa. Três irmãs de José seguiram a vida consagrada e ele próprio, após realizar com êxito promissor os primeiros estudos, ingressou no seminário diocesano de Dublin.
Junto aos oitenta jovens que ali almejavam o estado de perfeição, Marmion iniciou uma trajetória luminosa, assinalada desde os primórdios por uma avidez teológica e ardente piedade, o que faria um colega seminarista testemunhar: "Ele era um jovem santo e cheio de ideias".
O aproveitamento nos estudos fez seus superiores depositarem nele as melhores esperanças. Enviaram-no a Roma, onde estudou no Pontifício Colégio Irlandês e, em seguida, no Propaganda Fide. Neste último, distinguiu-se em todas as matérias, e sob a égide do futuro Cardeal Francesco Satolli tornou-se um tomista de escol. Os ensinamentos do Doutor Angélico beneficiaram decisivamente sua vida espiritual, pois dele aprendeu a nunca dissociar da vida de santidade o conhecimento doutrinário, tal como ensinaria mais tarde a seus monges: "Um raio de luz do alto é mais eficaz do que todos os raciocínios humanos".
Esse progresso fê-lo caminhar a passos rápidos para a ordenação. Em 16 de abril de 1881 recebeu o diaconato, e a 16 de junho do mesmo ano foi ordenado sacerdote na igreja romana de Santa Ágata dos Godos. Contava, na ocasião, 23 anos.
A pedido de seu Bispo, logo retornou para a Irlanda levando na alma mil propósitos salutares, algumas incógnitas, e um antigo sonho: ser missionário na Austrália.


Sua alma permanecia insatisfeita

De volta à pátria, padre Marmion foi designado pároco no vilarejo de Dundrum, ofício ao qual se entregou de corpo e alma. Por pouco tempo, porém, pois ao cabo de um ano, foi chamado pelo Bispo de Dublin para lecionar no Seminário maior de Clonliffe.

Nesses primeiros tempos de sacerdócio sua alma, contudo, permanecia insatisfeita. Encontrava-se como acéfalo em seu percurso espiritual. Sentia precisar de um mestre que o guiasse para a Pátria celeste. Uma pergunta rodava em seus pensamentos: não estaria chamado à vida religiosa, ao invés de integrar o clero secular? E a continua lembrança de um encontro que o marcara a fundo acabaria por pesar, em definitivo, neste caudal de incertezas, conduzindo-o para o claustro.


Encontro com o carisma beneditino

Tal encontro dera-se no mês de julho de 1881, quando o jovem presbítero retornava de Roma com o coração ainda acalentado pelas graças da ordenação. A fim de visitar um amigo do seminário que se fizera beneditino em Maredsous, na Bélgica, alterou o percurso de volta e, na noite do dia 23, apresentou-se nessa abadia, onde o irmão porteiro o recebeu com a hospitalidade característica da Ordem.
A abadia de Maredsous constitui, por si só, um espetáculo consolador para qualquer católico. Quando o padre Marmion a conheceu, nela viviam 130 monges, segundo o mais puro espírito da fundação. A igreja, centro da vida comunitária, ergue-se no alto de uma montanha, em grandioso estilo neogótico, parecendo simbolizar, ela mesma, o voto de estabilidade feito pelos membros da Ordem.
Emoldurado por árvores - que quase ousaríamos qualificar como "disciplinadas" e "monacais" -, o templo sagrado se desdobra num conjunto arquitetônico imponente, no qual transparece um equilíbrio perfeito entre o rigor e a suavidade, a seriedade e o sorriso.
Ali se desenvolviam as múltiplas atividades dos monges: o trabalho manual, a administração de duas escolas para meninos e jovens, o cultivo da horta, o labor intelectual e literário, o esmero pelo canto gregoriano e, sobretudo, uma impecável Liturgia, expressão mais elevada do ideal beneditino.
Foi por acaso que padre Marmion chegou a Maredsous. Mas no silêncio reinante no interior daquelas paredes de pedra encontrou o que até então buscara com afã. E se quase quinze séculos o separavam da morte de São Bento, a figura do fundador da Ordem permanecia tão viva ali, que o jovem sacerdote tinha a impressão de tê-lo acabado de cumprimentar nesse momento.
Voltou para Dublin cativado por aquela atmosfera monástica, com as palavras do Abade Plácido Wolter latejando em sua consciência: "Tens uma vocação beneditina muito maior que a de teu amigo".


        Noviciado e vida de recolhimento

Seguindo o conselho do seu Bispo, esperou algum tempo antes de tomar uma decisão. Mas transcorridos cinco anos de ministério em sua cidade natal, padre Marmion não mais se questionava sobre a autenticidade de seu chamado para a vida religiosa. Havia decidido ouvi-lo.
Após obter as licenças necessárias, chegou a Maredsous no mês de novembro de 1886, desta vez para ficar. Durante o noviciado, precisou mudar de costumes, cultura e língua, o que não foi fácil, mas em meio a tais lutas confessou: "Estou convencido de estar no lugar onde Deus me quer. Encontrei grande paz, e sinto-me extremamente feliz". Escolheu o nome de Columba, evocando o santo missionário irlandês do período merovíngio, e pôs-se a praticar as palavras da Regra: "Escuta, filho meu, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração".

A almejada profissão se deu em 1891, após a qual os superiores pensaram em enviá-lo ao Brasil. Por fim, acabaram encaminhando-o para Lovaina, onde a Abadia de Maredsous pretendia fundar um novo mosteiro.
O período decorrido desde seu noviciado até o fim da permanência em Lovaina constituiu o cerne de sua vida de recolhimento. Oculto, submisso e modesto, Dom Columba transformou-se num contemplativo. Buscava Cristo e Sua Mãe a todo momento, compreendendo ser no silêncio que Eles Se deixam encontrar: "Se nossa alma se fechar aos rumores da Terra, ao tumultuar das paixões e dos sentidos, o Verbo Encarnado tomará pouco a pouco posse dela; far-nos-á compreender que as mais profundas alegrias são aquelas que encontramos no seu serviço".
Mais do que nunca, via a santidade como um dom de Deus, esmola divina que homem algum jamais merecerá: "Nossa vida sobrenatural oscila entre estes dois polos: de um lado, devemos ter a convicção íntima de nossa incapacidade de atingir a perfeição sem o auxílio de Deus; de outro, devemos estar possuídos da inabalável esperança de tudo encontrarmos na graça de Jesus Cristo".
Qual dócil menino, ele se deixava plasmar pelas mãos de seus superiores, um dos quais registrará: "Nunca vi um religioso mais obediente".  A paz e a serenidade lhe foram dadas em recompensa pelos sofrimentos heroicamente suportados, levando-o a dizer: "Agora que fiz todos os sacrifícios, Nosso Senhor devolveu-me, pelo caminho da obediência, tudo quanto por Ele eu havia abandonado".
Exímio pregador de retiros, dom Columba era solicitado por conventos e comunidades, nos quais sua presença não se apagava de nenhuma memória. Era instrumento de conversões, suscitava vocações, ensinava através da própria conduta.


        Alma ornada pela virtude da sabedoria

Teve, porém, de voltar para Maredsous. O mesmo claustro que o recebera como noviço, aos 27 anos de idade, viu-o retornar de Lovaina aos 51, pronto para exercer a mais alta missão que o Senhor lhe haveria de destinar.
Dom Hildebrando de Hemptinne, que vinha governando Maredsous por muitos anos, fora designado pelo Papa primeiro Primaz da Confederação Beneditina e, devido às suas frequentes permanências em Roma, tornou-se necessário escolher outro abade para o mosteiro. O Capítulo elegeu, por grande maioria, Marmion, precisamente por encontrar nele o perfil do autêntico beneditino. "Eu obedeço e aceito a vontade de Deus", disse no dia da eleição, em outubro de 1909.


Enquanto abade, Dom Columba foi, antes de tudo, um mestre espiritual, conhecedor das vias por onde as almas devem ser conduzidas. Suas conferências semanais para a comunidade suscitavam o entusiasmo dos monges. Um deles, não se conformando em ver aquelas maravilhas confinadas na sala capitular, tomou a iniciativa de anotá-las e torná-las públicas. Assim se originou a trilogia: Cristo, vida da alma (1917), Cristo em seus mistérios (1919), e Cristo, ideal do monge (1922), três obras que são expressões fidedignas do espírito cristocêntrico do autor. O Papa Bento XV que fazia uso pessoal de Cristo, vida da alma, chegou a recomendá-lo a um Bispo nestes termos: "Leia isto. É a doutrina da Igreja".

Dom Marmion teve de enfrentar questões espinhosas no exercício de seu cargo, e tornou patente aos olhos dos monges de Maredsous que a virtude da sabedoria, tema frequente de suas prédicas, era um ornato de sua própria alma. Atuou como homem-chave nas negociações que trouxeram ao seio da Igreja um convento anglicano; foi solicitado a fundar uma abadia no Congo; por manifesto desejo do Papa, enviou monges para cuidar da Abadia da Dormição, em Jerusalém. Corolário de suas atividades foi a fundação da Congregação Belga da Anunciação, nova jurisdição da Ordem, sediada em Maredsous.

Beato Columba (à esquerda), com outros dois abades da Ordem.

Mostrou assim não estarem as qualidades diplomáticas, administrativas e psicológicas em choque com o espírito de contemplação. Pelo contrário, uma vida interior bem levada conduz a resolver com o maior acerto as questões temporais que a Providência puser no nosso caminho.
O Abade Marmion amava seus filhos espirituais e era estimado por eles. Sob seus cuidados e vigilância, Maredsous progrediu a olhos vistos, parecendo espelhar a vida que os bem-aventurados gozam no Céu. O Senhor lhe deu uma comunidade louvável, na qual as virtudes e dotes naturais se traduziam em obras de excelência e perfeição.
E quando o horizonte ameno da Abadia se obscureceu pelos estertores da Primeira Guerra Mundial, os monges puderam comprovar a veracidade da palavra do Evangelho: "O bom pastor dá a vida por suas ovelhas" (Jo 10, 11).


Despendendo as últimas energias

Embora preservados dos bombardeios de tropas inimigas, os habitantes de Maredsous sofreram quase tanto quanto se a abadia tivesse sido destruída. A cada instante, esperava-se um desenlace trágico que viesse reduzi-la a pó, ocasionando uma apreensão não pequena nos monges. A fome e toda sorte de privações rondavam a comunidade, que abriu suas portas para os feridos e desabrigados.
     Vivendo na quadra mais dramática de sua existência, o Abade Columba lutava por salvar a formação dos noviços, levando-os para o exílio. Esta decisão lhe causou incontáveis dissabores e, para completar as amarguras que o contristaram, via seus monges serem arrancados da vida monástica para servir o exército, expostos a todos os perigos de corpo e de espírito.
Em 1918, quando a Guerra terminou, restavam-lhe os últimos cinco anos de vida, e ele os empregou totalmente na restauração da disciplina em Maredsous, despendendo nesse último esforço as poucas energias que ainda lhe restavam. Na tarde de 30 de janeiro de 1923, vítima de uma epidemia de gripe que assolava a Bélgica, ele rendeu sua alma ao Criador.
Alquebrado por uma existência empregada no serviço de Deus, Dom Columba Marmion abandonava- se, uma vez mais, naquele supremo momento, aos desígnios de Jesus Crucificado, que ele viera buscar e encontrara no claustro. Seus filhos espirituais, recebendo de suas mãos, agora trêmulas, a tocha da caridade, tinham consciência de que aquele pai e mestre lhes transmitia e deixava como herança a realização das palavras com as quais São Bento concluiu seus ensinamentos: "Tu, pois, quem quer que sejas, que te apressas rumo à Pátria celeste, cumpre, com o auxílio de Cristo, esta Regra, e então chegarás por fim, com a proteção de Deus, aos maiores cumes da doutrina e das virtudes".
                                                                Irmã Carmela Werner Ferreira, EP







quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

SÃO JOSÉ FREINADEMETZ, Presbítero da Sociedade do Verbo Divino e Missionário na China.


Giuseppe (José) Freinadmetz nasceu no dia 15 de Abril de 1852, em Oies (Bolzano), um pequeno aglomerado de casas nas Dolomitas, do Norte de Itália. Foi batizado no dia em que nasceu e herdou da família uma fé simples e tenaz e uma grande capacidade de trabalho.

Enquanto estudante de Teologia no Seminário Diocesano de Bressanone (Brixen), ele começou a pensar em dedicar a vida ao serviço das missões. Foi ordenado sacerdote no dia 25 de Julho de 1875 e encarregado da Paróquia de S. Martinho (St. Martin di Badia), muito próximo da casa paterna, onde muito rapidamente conquistou os corações da sua gente. No entanto, o apelo ao serviço da missão não o abandonou. Dois anos após a ordenação entrou em contato com o padre Arnoldo Janssen, fundador da casa de Steyl, que ficaria a conhecer-se como Sociedade do Verbo Divino. 

Arnoldo Jansen e José Freinademetz
Com a autorização do Bispo, José deixou a paróquia e dirigiu-se a Steyl, na Holanda, no mês de Agosto de 1878. No dia 2 de Março de 1879 recebeu a cruz missionária e partiu para a China com o P. João Baptista Anzer, outro missionário do Verbo Divino. Cinco semanas mais tarde, chegavam a Hong Kong, onde ficaram dois anos preparando-se para a etapa seguinte. Em 1881 partiram para a nova missão no Shantung do Sul, uma província com 12 milhões de habitantes e somente 158 cristãos.

Os próximos dois anos foram marcados por duras e longas viagens, assaltos de bandidos e as dificuldades na formação das pequenas comunidades cristãs. Logo que uma comunidade começava a organizar-se, uma ordem do Bispo obrigava-o a deixar tudo e a começar de novo.

José aprendeu desde muito cedo a importância de um laicado empenhado, especialmente dos catequistas, para o trabalho da primeira evangelização. Dedicou muita energia à formação dos Leigos e preparou um manual para a catequese em Chinês. Ao mesmo tempo, juntamente com Anzer, que se tornara bispo, ele dedicou grande esforço à preparação, animação espiritual e formação permanente de sacerdotes chineses e de outros missionários.

São José Freinademetz e outros missionários na China. 
A sua vida esteve marcada pelo desejo de se transformar num Chinês entre os Chineses.  Desde o princípio, procurou inculturar-se na difícil cultura chinesa. Quis aprender o mandarim (língua chinesa) com perfeição; mas, antes de tudo, procurou chegar ao coração dos chineses, entrar em seus problemas, comer e vestir como eles. Em uma carta que escreveu a seus pais, em 1886, dizia: "Amo a China e os chineses e desejaria morrer mil vezes por eles... No meio deles quero morrer e entre eles ser sepultado"

Em 1889 Freinadmetz adoeceu gravemente de uma laringite e teve um início de tuberculose, devido ao excesso de trabalho e a outros sofrimentos. A insistência do Bispo e dos confrades, ele saiu para o Japão para descansar, na esperança de que recuperasse a saúde. Ele nunca mais se recompôs totalmente e voltou ao trabalho missionário na China.

Quando no ano de 1907, o bispo empreendeu uma viagem à Europa, Freinadmetz assumiu o lugar de Administrador da Diocese. Durante esse período surgiu uma epidemia de tifo. José, como um bom pastor oferecendo ajuda onde podia, visitava as muitas comunidades até que ele próprio foi infectado. Dirigiu-se a Taikia, sede da Diocese, onde morreu no dia 28 de janeiro de 1908. Ele foi sepultado junto da duodécima estação da Via Sacra e o seu sepulcro transformou-se rapidamente num centro de peregrinação para os cristãos.

Freinadmetz aprendeu a descobrir a grandeza e beleza da cultura chinesa e a amar profundamente o povo a quem fora enviado. Dedicou a sua vida à proclamação do Evangelho do amor de Deus por todos os povos e à encarnação deste amor na formação das comunidades cristãs da China. Animou essas comunidades a abrirem-se em solidariedade com os povos vizinhos. Encorajou muitos Chineses a tornarem-se missionários entre o seu povo como catequistas, religiosos, irmãs religiosas e sacerdotes. A sua vida era bem a expressão deste dito seu: «A linguagem que todo o mundo entende é a linguagem do amor».
                                                 (Homilia do beato João Paulo II)


Pensamentos de São José Freinademetz: 

O maior desafio de um missionário é a sua transformação interior. 

Finalmente, estou no meio de um povo totalmente pagão. Está realizado o sonho da minha juventude. 

As pessoas só se convertem pela graça de Deus e pelo amor que lhes dedicamos. 

Como as flores se abrem ao calor do sol e se fecham ao chegar a noite, assim o coração humano se abre ao nosso sorriso e se fecha frente a um rosto mal-humorado. 

Oração, trabalho e sacrifício. Quero dar-me totalmente e lutar toda a minha vida pelos meus queridos chineses. 

O êxito da missão é fruto da graça, tornado possível pela entrega incondicional e dedicação generosa do missionário. 

Os chineses são tudo para mim. Quero ser sepultado no meio deles… e continuar a ser chinês no Céu.  

Para mim, ser missionário não é um sacrifício para eu oferecer a Deus, mas sim a grande graça que Ele me concedeu. 

O trabalho missionário é inútil, se não amamos e não nos sentimos amados. 

Não recuses nada a ninguém e não exijas nada para ti mesmo. 

A linguagem do amor é a única língua que todos os povos compreendem. 

Rezem! A oração é a chave do Paraíso; é o cajado no nosso peregrinar; a fonte de água viva; a comida que fortalece o espírito. 

Rezem por mim, para que Deus me dê a graça de trabalhar muito na sua vinha pela salvação das almas. 

Ainda que o mundo venha abaixo, Deus nunca deixará de escutar a nossa oração. 

O Bom Pastor convidou-me a ir com Ele ao deserto procurar as ovelhas perdidas. Que outra coisa hei-de fazer, senão, com imensa alegria e alma agradecida, responder-Lhe: “Eis-me aqui?”… 

Como Abraão, deixo a casa paterna, a pátria e a vocês, queridos amigos, e parto para a China, a nova pátria que o Senhor me indicou. 

O ser humano não foi feito para este mundo, mas para algo muito mais sublime: trabalhar onde Deus quiser. 

O meu único anseio é poder converter muitos (pagãos) irmãos nossos ao Senhor. É só por isto que eu ganho força para deixar o meu querido pai e a minha querida mãe, os meus irmãos e tantos amigos. 

Ao missionário compete dar testemunho de Jesus Cristo e semear a boa semente do Evangelho, deixando ao Senhor o cuidado de que essa semente dê fruto a seu tempo. 

Se um missionário já não tem pátria neste mundo, é porque todo o mundo se tornou sua pátria. 

A cruz é o pão de cada dia do missionário: mas apesar disso, não faltam motivos para verdadeira alegria. 

Enquanto o permitirem as minhas forças e o meu limitado entendimento, todos vocês encontrarão em mim uma ajuda sempre pronta e um acolhimento cordial. 

Uma família verdadeiramente cristã é uma das coisas mais belas do mundo. 

O pouco que fazemos não é nada comparado com o que o bom Filho de Deus faz por nós. 

O melhor lugar para mim, será sempre aquele onde Deus me quer. 

Quanto mais longe estamos dos homens e mais sós nos sentimos, mais perto estamos de Deus.







São José Freinademetz catequizando crianças
chinesas.


     



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

SANTA ÂNGELA DE MÉRICI, Virgem e Fundadora da Companhia das Virgens de Santa Úrsula ou Irmãs Ursulinas.



Contemporânea de Santo Inácio de Loyola, desempenhou papel saliente na luta contra o paganismo da Renascença e a Pseudo-Reforma protestante.


Santa Ângela Mérici veio ao mundo em 21 de Março de 1474, em Desenzano, pequeno porto de pescadores na margem meridional do Lago de Garda (Norte da Itália). Sua família era de agricultores, tendo a Santa nascido em uma propriedade rural. De sua mãe sabe-se apenas seu nome de família: Biancosi, originária da cidade de Salò.
Não frequentou escolas. A ciência consumada, que mais tarde o Espírito Santo lhe concedeu, teve como canal apenas a educação familiar. O chefe de família reunia todas as noites os filhos e os servidores para as orações e para a leitura de alguma passagem piedosa. Ângela demonstrou desde cedo muita sensibilidade por tais leituras e decidiu seguir a via da santidade.
O traço dominante de sua personalidade era uma extraordinária pureza. Desde a mais tenra idade resolveu libertar-se das servidões do corpo por meio de uma intensa mortificação, limitando-se apenas ao necessário. As Virgens, sobretudo as que morreram para defender sua virgindade, ela as amava como irmãs gêmeas. Para Ângela, a virgindade representava o amor exclusivo de Deus, sem qualquer participação de outrem. Jamais imaginou outro destino para sua vida do que a de permanecer virgem para sempre.

Não obstante, era muito bonita e atraente. Aos doze anos, seus belos cabelos louros causavam admiração às suas amigas. Uma delas lhe disse: "Com tal cabeleira, Ângela, não lhe faltarão admiradores nem um bom casamento". Tais palavras, que encantariam qualquer moça, só lhe causaram remorso. Algo nela podia então levá-la por um caminho que, mais que todos, rejeitava? Enrubesceu envergonhada e, mal chegou em casa colocou cinza e fuligem na água fervendo, mergulhando seus cabelos nessa mistura, o que repetiu por vários dias, até que perdessem sua bela cor dourada.
Assim, aos doze anos, sacrifica sua beleza para que nenhum outro olhar caia sobre ela, senão o do Divino Esposo das almas. Naquele mundo em que a corrupção da Renascença era ostentada com despudor e petulância, ela levanta o imaculado pendão da pureza e da virgindade.

As primeiras provações
Aos treze anos, ainda sob o influxo das grandes consolações que recebeu com sua primeira comunhão, uma grande provação a atingiu: o falecimento de seu pai, modelo de homem católico, exemplo de virtudes domésticas e continuador das mais preciosas tradições familiares. Embora muito frequentemente os pais dos santos não sejam lembrados, em numerosos casos eles foram, pelo seu exemplo e pela educação que deram aos seus filhos, verdadeiros instrumentos nas mãos de Deus para a santificação destes. Ângela bem compreendeu o que tinha perdido e chorou a morte do pai. O grande amor que lhe devotava estava todo impregnado de um filial reconhecimento.

Dois anos após, sua mãe também foi chamada à eternidade. Seis anos mais tarde, era a vez de sua irmã deixar esta terra. Deus queria eliminar do coração da jovem até os mais sagrados e legítimos liames terrestres, para que ela se entregasse inteiramente ao seu amor infinito.

Deus lhe anuncia sua missão
No ano de 1506, para atender aos seus anelos, Deus lhe fez conhecer Seu desígnio sobre ela.
Certo dia, quando trabalhava no campo, por volta do meio-dia, separou-se um pouco das jovens que a acompanhavam para rezar sozinha, entre as vinhas. Foi então que Deus lhe favoreceu com uma visão, em que aparecia uma escada que ia do céu à terra, por onde subiam e desciam um número incontável de virgens, alvas, ligeiras, entoando cânticos celestiais, no que eram acompanhadas por anjos, cujos instrumentos enchiam o ar de melodiosas sonoridades. Os sons, as cores, os movimentos se fundiam numa espécie de apoteose da pureza sem mancha, da candura do lírio e da virgindade perfeita. Uma delas se destacou dentre as companheiras. Ângela reconheceu nela uma amiga falecida e esta lhe disse:
"Ângela, saiba que Deus te concedeu esta visão para indicar que, antes de morrer, tu deverás fundar em Brescia uma sociedade de Virgens semelhantes a estas que vês; tal é a disposição da Providência a teu respeito".
Após tais palavras os cânticos e as melodias cessaram, a visão se evanesceu. Ângela havia recebido sua Mensagem. Estava ainda transportada em êxtase, um pouco fora de si pelo que tinha visto, quando suas jovens amigas a encontraram. Por inspiração divina, contou imediatamente a elas a visão que tivera, bem como a missão que recebera de Deus. Maravilhadas pelo relato, todas desejaram segui-la nessa via. Nem por um instante duvidaram da realidade da visão, pois a tinham como santa e sabiam que suas palavras eram fruto de um pensamento calmo e refletido.



Apostolado que transformou uma região
Ângela não conhecia Brescia nem as pessoas que lá moravam. Estava certa, porém, de que a fundação se faria lá, e não em outro lugar. Como não lhe havia sido ordenado abandonar imediatamente sua cidade natal e dirigir-se para a cidade indicada, ela decidiu esperar a ocasião suscitada por Deus para isso.
Essa espera prolongou-se por dez anos, durante os quais sua atividade apostólica se intensificou e se ampliou.
Ângela tinha uma graça natural, uma suavidade sorridente, uma afabilidade constante que lhe bastavam para atrair os corações.


Em Brescia
Assim, durante esses dez anos, um verdadeiro núcleo de discípulos se formou em torno dela. Entre eles, ocupavam lugar de destaque Jerônimo Pentagola e sua esposa Catarina. Moravam em Brescia, mas tinham uma propriedade em Patengo, próximo a Desenzano, onde passavam o verão. Assim conheceram Ângela que, a convite deles, por diversas vezes fez breves estadas em Patengo, para gáudio de seus anfitriões.
Ora, no curso de 1516 os Pentagola perderam seus dois filhos, com breve intervalo entre os falecimentos. Como nada os pudesse consolar em sua imensa dor, pensaram em Ângela, a única que seria capaz de lhes dar nova razão de viver, de tal modo sentiam nela a presença de Deus. Pediram-lhe então, com insistência, que lhes concedesse a graça de sua presença na casa onde moravam.
Foi assim que Ângela se dirigiu a Brescia, cidade designada na visão para ser o local da futura fundação. Apesar de ser bem maior, muito mais movimentada e mais brilhante que Desenzano, a fama de sua santidade lá se difundiu tanto quanto em sua cidade natal ou em Salò.


Ciência infundida pelo Espírito Santo
Um fato extraordinário, evidência da ação do Espírito Santo sobre a alma de Ângela, levou sua fama de santidade ainda mais alto e mais longe. Ela, que nem sequer sabia ler, que ignorava todas as ciências humanas e não havia recebido outra instrução verbal além da matéria constante no catecismo, tornou-se de repente capaz de ler, não somente em italiano, mas também em latim. E mais: tornou-se capaz de comentar a teologia, especialmente a teologia mística, de tal sorte que lia não apenas nos textos, mas nas próprias almas, que desde então foram para ela como livros abertos.
Em vista disso, aos visitantes habituais - as notabilidades e o bom povo de Brescia - se juntaram caravanas de eruditos, teólogos, legistas, diretores de consciência e filósofos. Submetiam-na a minuciosos interrogatórios e nem uma vez caiu ela em erro. Era de admirar a medida e a pertinência dos termos que empregava, a ponderação e a segurança de seu juízo, o equilíbrio e a prudência, enfim toda a sabedoria que dela se irradiava. Todos se admiravam como haviam sido ultrapassados por aquela humilde mulher, cuja ciência infusa superava com facilidade, das alturas da eternidade, o fatigante trabalho de séculos. E essa integridade doutrinária se manifestava precisamente nos mesmos anos em que Lutero lançava seu desafio ao Papa para dividir a Cristandade.
De fato, a torrente luterana engrossava suas águas turvas, dividindo-se em outras torrentes que sulcavam a Europa em todas as direções, inflamando os espíritos a favor ou contra a heresia.
Ao mesmo tempo se desencadeou a guerra entre o rei da França, Francisco I, e o futuro Imperador alemão Carlos V, estendendo-se por todas as províncias italianas do Norte.
O vinho novo da Renascença acende, nos ambientes intelectuais, o orgulho da vida, que se manifesta nas obras literárias e artísticas; e, em todas as camadas da sociedade, um sensualismo triunfante.
Combatendo a Revolução nascente em seu próprio campo, o meio social, e naquilo em que ela mais se esmerou em difundir naquela época, ou seja a revolução nos costumes, Ângela aparece como um autêntico baluarte da Contrarrevolução, opondo ao sensualismo a pureza virginal, e à heresia uma dócil e total submissão à ortodoxia doutrinária.

Em Roma, com o Papa
Empreendeu a Santa uma peregrinação a Roma, por ocasião do ano jubilar de 1525. Na Cidade Eterna tinha por hábito visitar igrejas, e, numa delas, encontrou-se com um dos camareiros secretos do Papa. Ele a tinha por santa e ofereceu-lhe conseguir uma audiência particular com o Papa, o que ela aceitou com alegria.

Deste encontro sabe-se apenas que Clemente VII insistiu com Ângela para que permanecesse em Roma, onde ela poderia dirigir, sob sua égide, obras de caridade. Ângela contou então ao Papa a visão que tivera em 1506 e a missão que recebera de Deus. Convencido da origem sobrenatural dessa missão, o Papa lhe recomendou então que voltasse a Brescia e cumprisse o quanto antes aquilo que Deus lhe indicara.

Em Cremona
Pouco depois de seu regresso, foi obrigada a deixar novamente a cidade, ameaçada de pilhagem em consequência das devastações que a guerra fazia em todo o norte da Itália. Parte então, como refugiada, com seus amigos mais próximos, para Cremona. Mas não se trata da fuga de uma pobre mulher trêmula de medo pelo terror da guerra. Ela permanece em sua posição de anjo tutelar, benfeitora e guardiã. Em meio ao triste êxodo, sua força de alma polariza as coragens, levanta os abatidos, exorciza os malefícios do desespero, consola a todos.
Em Cremona passa-se em torno dela o mesmo que em todas as cidades onde se encontra. Multidões a procuram no lugar onde reside, bem como altas personalidades do mundo religioso e dos meios intelectuais e sociais. O élan das almas para com Ângela redobra de intensidade devido às angústias da guerra. O próprio duque Francesco Sforza, de Milão, também refugiado em Cremona, continua a receber de Ângela a direção espiritual iniciada pouco antes em Brescia, e da qual estava muito necessitado, devido à difícil situação em que se encontrava como consequência da guerra.

Com a paz assinada em Cambrai, em 23 de Dezembro de 1529, e Carlos V sagrado Imperador pelo Papa Clemente VII, Ângela pôde voltar a Brescia.


Novamente em Brescia: a fundação
Ela sente então que se aproxima a hora de cumprir o que lhe fora indicado na visão. A muitos poderia parecer exagerado o tempo decorrido entre o anúncio da missão e seu cumprimento: 24 anos (1506-1530). E talvez julgassem ter havido negligência da parte de Ângela. Porém, se atentarmos às palavras da amiga, veremos que a mensagem divina não exigia o cumprimento imediato. Muito pelo contrário, era algo a ser realizado "antes de morrer", ou seja, a fundação se daria já no fim de sua vida.
Assim, naquele ano de 1530, reuniu, no pequeno aposento onde residia, as doze moças por ela escolhidas para serem o núcleo original da Companhia de Virgens que tinha por missão fundar. Explicou-lhes que elas não estavam destinadas a fazer parte de uma obra pia qualquer, mas a permanecerem virgens para sempre, por meio de um culto especial à virgindade cristã, constituindo tal chamado uma vocação muito especial.

O objetivo inicial da Fundadora
Cabe aqui uma interrupção no relato dos fatos para realçar um aspecto totalmente novo da referida congregação. É a ausência de vida em comum. Ângela não procurou um lugar onde pudesse instalar um convento para aí residir com suas religiosas, mas apenas um local onde pudesse reunir-se com elas, dar-lhes as orientações adequadas e fazer certas orações em comum. Elas continuavam a residir em suas próprias casas, no mundo, para que aí dessem um testemunho eloquente de uma virtude tipicamente contrarrevolucionária, a pureza, em combate direto contra a dissolução dos costumes, característica do neopaganismo renascentista.
Suas filhas não seriam religiosas de clausura, mas deveriam elevar-se como torres de marfim no meio do charco, pela prática de uma pureza ilibada e virginal, mostrando como uma das molas mestras da Revolução, a sensualidade, pode e deve ser vencida em seu próprio reduto, o mundo (*).
Em 25 de Novembro de 1535 já havia 27 virgens reunidas em torno de Ângela. No ano seguinte ela submeteu a Regra da nova sociedade ao Cardeal Francesco Cornaro, bispo de Brescia, que a aprovou em 8 de Agosto de 1536.


Superiora Geral
Como era esperado, Ângela foi eleita por unanimidade para Superiora Geral, apesar dos protestos que sua humildade lhe suscitava. Suas filhas, naturalmente, não cederam a tais protestos, mas foi necessária uma ordem formal do Cardeal-Bispo de Brescia para que ela aceitasse o cargo.
Sua humildade, porém, fez mais duas exigências: a de não ser apontada como Fundadora no ato notarial que registrou a decisão do Capítulo, e a de colocar o novo instituto sob o patrocínio de Santa Úrsula. Ela esperava assim ver seu nome desaparecer da própria obra, substituído pelo da gloriosa padroeira, virgem e mártir.
Até sua morte, ocorrida em 1540, Ângela continuou a ser um modelo perfeito de santidade para suas filhas espirituais.

"Ao me obedecer, obedecereis a Jesus Cristo"
Em Janeiro de 1540, após ter indicado a condessa Lucrécia Lodroni como sua sucessora e reunido em torno de si as 150 virgens que formavam sua Companhia, entregou a alma ao Criador, não sem antes recomendar expressamente a suas filhas: "Obedecendo a vossas superioras é a mim mesmo que obedecereis; e, ao me obedecer, obedecereis a Jesus Cristo, cuja misericordiosa bondade me escolheu para ser, viva ou morta, a Mãe desta Companhia, ainda que, de mim mesma, fosse muito indigna disso".
Partiu assim para a eternidade e para a glória celeste a Fundadora da Companhia das Virgens de Santa Úrsula.
Não é por mera coincidência que, enquanto Santo Inácio de Loyola designava a ordem que fundara como Companhia de Jesus, para indicar seu caráter militante, Santa Ângela Mérici dava ao seu instituto o nome de Companhia, para indicar igualmente seu aspecto militante contra o sensualismo renascentista.

Disputando a honra de sepultá-la
A notícia de seu falecimento espalhou-se rapidamente por toda a região, levando seus habitantes a se moverem em legiões para contemplá-la ainda uma vez antes de seu sepultamento.
Finalmente, em 28 de janeiro de 1540, realizou-se o sepultamento na igreja de Sant'Afra, indicada pelas autoridades religiosas. Nessa ocasião, durante três noites consecutivas apareceu no céu uma estrela de brilho extraordinário, cujos raios convergiam para o ponto onde estava o corpo.


Existe um aspecto de sua personalidade espiritual que nos é ainda pouco conhecido e no qual fica bem evidenciado o caráter profético e contrarrevolucionário de sua contemplação e de sua ação. Esse aspecto torna-se claro mediante a regra que elaborou para sua ordem, bem como através de seu testamento e suas lembranças.
Tais documentos nos apresentam uma santa que discernia as vias de Deus sobre o mundo, contemplava a luta entre o bem e o mal, conhecia e denunciava a ação do poder das trevas nas pessoas e na sociedade. Mas também que apontava e utilizava os meios de luta mais adequados visando combater tal poder, segundo os desígnios de Deus para a época. Enfim, agindo no presente, tinha os olhos continuamente postos no futuro!


Roberto Alves Leite